Princípios da avaliação para aprendizagem na educação online
Autores: Mariano Pimentel; Felipe Carvalho (20/09/2021)
Revisão: Alvanisio Damasceno
Ilustrações: Monica Lopes (do canal IlustrAqui)
Ilustração da capa: tagarelas.chat
Avaliação é um tema complexo, sua discussão na literatura acadêmica é plural, há pesquisas sob diferentes perspectivas: pedagógica, histórica, política, sociológica… Nós, professores, realizamos avaliação de modo diverso, pois temos pressupostos teórico-epistemológicos distintos, repertório e preferências que nos levam a realizar a avaliação de um determinado modo, que também depende do contexto específico em que trabalhamos: nível de ensino, modalidade, regras institucionais, disciplina, turma, acontecimentos etc. Contudo, nossos distintos saberes sobre avaliação da aprendizagem não nos impedem de conversarmos sobre essa temática – esse é o objetivo deste artigo.
Neste texto, compartilhamos nossas concepções e práticas de avaliação online, mostramos como efetivamos a avaliação que defendemos: realizada de modo contínuo para orientar o processo de aprendizagem (avaliação formativa); mobilizando diferentes instrumentos de avaliação; realizada não apenas pelo professor, mas também pelos colegas da turma (avaliação colaborativa) e pelo próprio aluno (autoavaliação); avaliando não apenas o que foi apre(e)ndido em termos de conteúdos, mas também levando em conta outros aspectos importantes para a formação, como o saber-fazer, o pensamento crítico-criativo, a participação-colaboração, a comunicação etc. Tudo isso realizado com apoio das tecnologias digitais em rede, principalmente de um ambiente virtual de aprendizagem (AVA).
Fonte: (PIMENTEL; CARVALHO, 2020)
Este artigo é um desdobramento do princípio “Avaliação formativa e colaborativa (em vez de exames)”, que enunciamos no texto Princípios da educação online (PIMENTEL; CARVALHO, 2020). Já iniciamos essa discussão com o texto “Cinco equívocos sobre avaliação da aprendizagem” (PIMENTEL; CARVALHO, 2021a), em que problematizamos o exame por provas, que nos leva a procurar alternativas para a avaliação da aprendizagem, seja no ensino remoto, na educação híbrida, na modalidade a distância e também na presencial.
Avaliação na (ciber)cultura, avaliação na educação
Educação online é uma abordagem didático-pedagógica que se inspira nas práticas da cibercultura para (re)pensar os processos de ensino-aprendizagem (SANTOS, 2019; SANTOS, 2005). Nesse sentido, queremos refletir sobre a avaliação que ocorre por meio das tecnologias digitais em rede e com isso (re)pensarmos a avaliação para aprendizagem.
Em nossas práticas cotidianas ciberculturais, somos levados a avaliar conteúdos, serviços e pessoas atribuindo coração, joinha, estrelas, carinha triste/alegre, palmas, um valor em uma escala, e outras variações para expressarmos nossa avaliação.
Mecanismos de avaliação típicos da cibercultura
Avaliar é “atribuir valor, comparar ou medir algo” (HOFFMANN, 1996, p.43).
Avaliação não é uma coisa que ocorre [apenas] na prática escolar, é universal, realizada por todos os seres humanos do planeta. Avaliar é um ato de atribuir uma qualidade a uma realidade, e nós passamos 24 h por dia atribuindo qualidade para a realidade [em nosso cotidiano] e tomando decisão. (LUCKESI, 2020, 3:00)
A partir de nossos atos de avaliação e também de denúncias, esperamos que os sistemas computacionais diagnostiquem a qualidade do serviço prestado e dos conteúdos disponibilizados, e que esse diagnóstico dispare ações como retirar os aproveitadores do sistema, melhorando e garantindo a qualidade da prestação do serviço e dos conteúdos disponibilizados. A avaliação dos usuários serve para melhorar o sistema e mantê-lo funcionando adequadamente.
Assim também precisa ser na Educação: a avaliação deve servir para melhorar o sistema educacional como um todo, manter e garantir a qualidade do processo formativo (avaliação formativa); não serve apenas para certificar o aprendizado do estudante, não podemos confundir avaliação com exame – ver o primeiro dos “Cinco equívocos sobre avaliação da aprendizagem” (PIMENTEL; CARVALHO, 2021).
Avaliação na educação serve para investigar o que pode ser melhorado: a metodologia de ensino, as situações de aprendizagem, os projetos propostos, a conversação em aula, a relação entre os participantes, as condições materiais de estudo-ensino… e com um diagnóstico, podemos tomar providências objetivando um melhoramento. Por exemplo, se a dificuldade for do estudante individualmente, podemos buscar meios para a sua recuperação ao longo do curso; mas se vários alunos da turma estiverem com dificuldades, talvez a metodologia de ensino precise ser repensada.
Se as práticas da cibercultura nos inspiram a (re)pensar nossas práticas didático-pedagógicas, então a avaliação nas redes sociais é exemplar para refletirmos sobre algumas possibilidades de reconfiguração da avaliação da aprendizagem. Organizamos as nossas reflexões no quadro a seguir; elas justificam a maior parte dos princípios da avaliação para aprendizagem na educação online apresentados na próxima seção.
Avaliação nas redes sociais | O que (re)pensar em termos de avaliação para aprendizagem? |
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Tudo o que publicamos nas redes sociais é objeto de avaliação. | Todas as expressões dos alunos podem ser avaliadas: um texto produzido pelo aluno, um diagrama, uma apresentação, uma conversa, as respostas aos exercícios… Cada expressão, realizada por diferentes meios (instrumento de avaliação), é uma oportunidade para realizarmos uma avaliação [Princípio 1]. Não há motivos para acreditarmos que a prova seja o único ou o melhor meio para o aluno expressar o que aprendeu. |
Não somos obrigados a postar, nem a comentar, curtir ou compartilhar. Fazemos essas ações porque nos engajamos no processo de discussão em rede, porque queremos participar, interagir. | O engajamento do aluno no processo de estudo deve ser valorizado, talvez até mais que os resultados [Princípio 2]. |
Nossas publicações são avaliadas com curtidas e comentários. O total de curtidas nos dá uma medida quantitativa do “sucesso” da nossa publicação, enquanto os comentários nos dão informações sobre a qualidade da postagem, pois as pessoas comentam, concordando ou discordando, e acrescentam novas informações desdobrando o que foi publicado. | A avaliação deve ser quantitativa e qualitativa; ambas ajudam o estudante a compreender a avaliação. Às vezes nos preocupamos mais com a nota e não comentamos uma avaliação, o que pode dificultar a compreensão por parte do aluno. O uso de critérios de avaliação e rubricas ajuda a explicar qualitativamente (e mais objetivamente) para o aluno a avaliação realizada pelo professor [Princípio 4]. |
Nossas publicações são avaliadas por qualquer pessoa de nossa rede social, e a multiplicidade de olhares-avaliações é bem vinda desde que o comentário seja respeitoso, acolhedor e formativo. | Não apenas o professor, mas também os colegas da turma são capazes de avaliar a expressão de um aluno. É bem-vinda a avaliação colaborativa em que a responsabilidade da avaliação é partilhada com todos [Princípio 5]. |
Estamos continuamente refletindo sobre as curtidas, os comentários e os compartilhamentos que uma determinada mensagem nossa recebe em comparação com as outras. | A autoavaliação deve ser promovida no contexto educacional [Princípio 6]. Partilhar a responsabilidade da avaliação com o próprio estudante é uma ação que oportuniza o desenvolvimento de sua autonomia e metacognição. |
Avaliamos e somos avaliados cotidianamente pelas redes sociais. | A avaliação deve ser um ato corriqueiro, realizado de maneira contínua, em todas as aulas [Princípio 7]. Não há motivos para que a avaliação seja feita apenas bimestralmente. |
As avaliações que recebemos em nossas publicações são formativas. Gostamos de interagir pelas redes sociais porque nos informamos e aprendemos na relação com os outros. | Toda avaliação deve ser formativa, voltada para orientar o processo de aprendizagem (e também do ensino) [Princípio 8]. Provas são “sentencivas”, para aprovar ou reprovar o aluno – não é esse o objetivo da avaliação para aprendizagem [Princípio 9]. |
10 princípios
Organizamos em 10 os princípios (nossas sugestões) para pensar-fazer a avaliação na perspectiva da educação online. Não pretendemos aqui dar uma receita de como avaliar. O que queremos é mostrar as soluções que temos construído em termos de avaliação online nas duas últimas décadas, contar que “nós temos feito assim”, porque talvez nossas reflexões e práticas possam servir de base para que outros professores inovem em seus contextos específicos. Com isso queremos contribuir para aprofundar a discussão sobre avaliação online, cientes de que não há uma maneira única considerada “a correta” para operacionalizar a avaliação formativa, colaborativa, continuada etc.
1. Mobilize múltiplos instrumentos de avaliação (em vez de apenas prova)
Para a avaliação em nossas disciplinas, sempre propomos atividades autorais (CARVALHO; PIMENTEL, 2020), que promovem multiletramentos (BUZATO, 2021), em que o aluno elabora uma obra original individualmente ou em pequenos grupos: um texto, um vídeo, um diagrama, um programa de computador, um jogo digital, um projeto etc. Em algumas disciplinas que requerem o desenvolvimento de habilidades específicas, como programar, trabalhamos com listas de exercícios com gabarito para que o próprio aluno possa verificar se está sabendo-fazer corretamente, mas ao final de cada lista propomos também uma atividade autoral para que o aluno possa aplicar aquele conhecimento para fazer algo de seu próprio interesse mobilizando o pensamento criativo. Eventualmente, trabalhamos com algumas tarefas a serem feitas pelos alunos (individualmente ou em dupla/trio), mas buscamos especificar a tarefa de tal modo que o aluno tenha algum espaço para exercer sua criatividade e expressão genuína, tornando a tarefa também em uma atividade autoral dentro de certos limites.
Podemos mobilizar esses e diversos outros meios de expressão (na perspectiva do aluno) / instrumentos de avaliação (na perspectiva do professor): atividade online, seminário, pesquisa, resenha, relatório, análise de caso, portfólio, diário de aprendizagem (SANTOS, 2014) etc. Quando utilizamos diversos instrumentos de avaliação ao longo da disciplina/curso, conseguimos acompanhar melhor o processo formativo do que se utilizarmos apenas provas bimestrais.
Fonte: ilustração remixada de (CALVÃO; PIMENTEL; FUKS, 2014)
O acompanhamento do processo da construção do conhecimento, da aprendizagem, da conduta, dos valores, vai implicar ter instrumentos de acompanhamento. Existe agora uma experiência chamada portfólio, que acumula as tarefas que o aluno for fazendo; ele vai construindo o portfólio. Professor e aluno vão dialogando a partir disso: aquilo que tem de positivo, aquilo que tem de negativo, aquilo que pode melhorar. É um instrumento a ser utilizado, porque é um instrumento de acompanhamento e construção. Existe uma outra experiência agora, que são chamados diários. O próprio aluno faz um diário: eu estudei tal lição de matemática e não entendi tais coisas, compreendi tais coisas, inventei tais coisas… e depois ele entrega esse diário para o professor ler. Dá muito trabalho isso, mas é muito rico, porque depois o professor responde no próprio diário: serve isso, não serve aquilo. São modalidades que nós, educadores, podemos manipular; e podemos inventar muitas outras, que são recursos para o acompanhamento do caminho de seu processo. […] Feira de ciências, arguição, teatralização, teatro escolar, excursão e depois relato da excursão, tudo pode ser muito útil no processo de avaliação, porque o objetivo da avaliação não é aprovar ou reprovar, mas sim construir (LUCKESI, s.d., Parte 4, 9:29-12:00).
Criativos que somos, nós, professores, desenvolvemos diferentes meios para os alunos se expressarem produzindo dados que nos possibilitem investigar-acompanhar-avaliar a aprendizagem/formação. Podemos compreender esses meios de expressão como “dispositivos de pesquisa”:
Experiências de pesquisa-formação costumam criar ambiências e dispositivos de pesquisa que fazem emergir o registro e a expressão de narrativas e imagens. Os sujeitos são incentivados a expressar suas itinerâncias formativas, promovendo, muitas vezes, a troca e o compartilhamento com outros sujeitos envolvidos no processo. São exemplos de dispositivos: o diário de bordo ou itinerância, os memoriais de pesquisa e prática profissional, conversas, entrevistas abertas, entre outros (SANTOS, 2019, p.108).
2. Valore a atitude de se engajar no processo (em vez de apenas os resultados)
Se o aluno seguir todo o processo formativo pensado pelo professor – frequentando todas as aulas, lendo todos os textos, participando das discussões com a turma, colaborando com os colegas, realizando todas as atividades propostas – então o aluno deve ser aprovado com nota máxima? E se esse aluno fizer uma prova no final e não obtiver a nota máxima, o que deu errado?
Partindo do pressuposto de que o aluno quer e consegue aprender, se ele não obtém nota máxima é porque: o processo não está garantindo que o aluno aprenda tudo o que é esperado pelo professor; ou então o aluno não está se engajando como o esperado no processo. Há também a possibilidade de a prova não estar avaliando adequadamente o que foi trabalhado na disciplina, mas esse é um problema do instrumento de avaliação (que precisará ser revisto) ou de quem o elaborou (que precisará rever suas concepções didático-pedagógicas).
Se o processo não está garantindo que o aluno aprenda o que é esperado, então o processo precisa ser revisto. Se o aluno não está se engajando no processo, então também o processo precisa ser repensado para que faça mais sentido e se torne mais significativo para o aluno, mais interessante e envolvente a ponto de o aluno querer se engajar. Em ambos os casos, o processo precisa ser modificado continuamente; nem sempre é o aluno que precisa ser punido com nota ruim, reprovado e retirado do sistema. O processo de ensino-aprendizagem precisa ser (re)desenhado visando a possibilitar que o aluno chegue ao final do curso com sucesso.
Considerando essa lógica, conclui-se que aprender/formar-se deve ser uma consequência do nível com que o aluno se engaja no processo. Sendo assim, passamos a valorizar e valorar o engajamento dos alunos no processo de estudo, suas atitudes: frequentar as aulas (presenciais ou remotas), estudar os conteúdos (leitura de textos, assistir aos vídeos recomendados etc.), realizar as atividades propostas (online e offline, em aula e “para casa”), participar das discussões (síncronas durante a aula e assíncronas pelo fórum, grupo ou mural) etc.
Fonte: ilustração remixada de (CALVÃO; PIMENTEL; FUKS, 2014)
Valorar o engajamento é corresponsabilizar o processo formativo pelo sucesso ou fracasso do estudante, em vez de responsabilizar apenas o estudante pela nota boa ou ruim obtida ao final do processo.
3. Negocie os instrumentos de avaliação (em vez de os impor)
Quando nos abrimos para avaliar a aprendizagem por diversos meios de expressão e pelo engajamento no processo (atitudes), identificamos diversos instrumentos que podemos mobilizar para realizar a avaliação. Não iremos mobilizar todos os que conhecemos em uma única turma. Sugerimos negociar com a turma quais serão os instrumentos e o peso de cada um deles na nota final.
Quando o professor começa a trabalhar com os alunos, o ano letivo já está em andamento, então ele tem que chegar com, pelo menos, um planejamento prévio [do ensino e dos instrumentos de avaliação], e nada impede e é até saudável que ele venha a dialogar com seus alunos sobre esse planejamento prévio. […] O que não quer dizer que o aluno deva definir, mesmo porque ele [o aluno] não tem um aporte teórico, uma visão teórica e prática daquele conteúdo com o qual ele vai trabalhar para ele tomar decisões, mas ele [o professor] pode dialogar, pode negociar (LUCKESI, s.d., Parte 03, 17:24-18:45).
No vídeo a seguir, publicado com autorização de todos os participantes, registramos um processo de negociação-construção de um “contrato de avaliação” que estabelecemos em uma turma da disciplina “Docência em Sistemas de Informação” lecionada quando as aulas da pós-graduação foram retomadas na modalidade remota após terem sido suspensas por alguns meses com o início da pandemia da covid-19.
Fonte: YouTube
4. Defina critérios de avaliação e rubricas (em vez de atribuir apenas uma nota)
Fonte: ilustração remixada de (DERMEVAL; COELHO; BITTENCOURT, 2020)
“[Os alunos] reclamam por serem avaliados de forma subjetiva”, declarou um professor em uma de nossas pesquisas. Quem nunca discordou ou não entendeu a nota recebida em uma prova, em um trabalho ou na disciplina?
Sempre há algum grau de subjetividade na avaliação, exceto em questões de múltipla escolha ou na resolução de problemas técnicos que têm uma única resposta correta. Para lidar com essa característica, podemos definir critérios de avaliação e, para cada critério, definir rubricas associando uma nota a determinado nível de acerto ou de qualidade da resposta.
Critérios de avaliação e rubricas, criados pelo Google Sala de Aula
Critérios e rubricas dão mais transparência às avaliações (sempre que a resposta for avaliada para além de certo/errado), seja de uma autoria, um projeto ou a participação em discussões (SANTOS; LIMA, 2016). No exemplo a seguir, para a correção dos códigos de programação elaborados pelos alunos numa disciplina da Computação, foram listadas as características esperadas de um código-resposta, definindo assim critérios de avaliação padronizados para a correção dos códigos da turma, o que explica a atribuição de uma determinada nota para cada código parcialmente correto/incorreto.
A nota atribuída ao código-resposta depende dos itens a seguir, sendo que o valor de cada item se encontra definido entre colchetes:
[1] Foi corretamente escrita uma classe em Java: public class Boleto {}
[1] Foi corretamente declarada a função solicitada: public static double calcularFerias() {}
[1] Foi corretamente declarado o parâmetro especificado para a função: (double salario)
[1] Foram corretamente declaradas as variáveis: double alicotaINSS, alicotaIR, ferias;
[1] Foi corretamente atribuído um valor a uma variável: alicotaINSS = 0.08;
[1] Foram corretamente realizadas operações aritméticas: salario*4/3
[1] Foram corretamente realizadas operações relacionais: salario<1750
[1] Foi corretamente escrita a tomada de decisão: if (condição) {…} else {…}
[1] Foi corretamente realizado o arredondamento: Math.round(ferias*100);
[1] Foi corretamente retornado o valor calculado pela função: return …;
[5] Foi desenvolvido um algoritmo correto para resolver o problema em questão.
5. Promova a avaliação colaborativa (em vez de a avaliação ser feita apenas pelo professor)
Fonte: ilustração remixada de (CALVÃO; PIMENTEL; FUKS, 2014)
Em nossas disciplinas, buscamos publicar as autorias dos alunos de modo restrito ao grupo da turma ou de forma aberta na internet para que os colegas da turma, amigos, familiares e outros interessados possam dar feedback-avaliação independente do professor, efetivando assim uma avaliação colaborativa.
O aluno, um grupo ou toda a turma pode selecionar, organizar e disponibilizar as obras produzidas ao longo da disciplina em um portfólio individual ou coletivo. As produções podem ser publicadas por diferentes meios e sistemas computacionais: rede social, Padlet, blog, Medium, página no Facebook, canal no YouTube etc. Os múltiplos olhares sobre as obras publicadas – as visualizações, as curtidas e os comentários – incentivam e dão mais sentido às autorias dos alunos.
Costumamos planejar uma situação para os alunos apresentarem suas autorias para a turma; se não todos, ao menos os alunos que se voluntariam ou os que são sorteados. Ao compartilhar com a turma, os alunos têm feedback-avaliação dos colegas e podem ensinar e aprender uns com os outros. Quando os alunos desenvolvem um projeto ao longo da disciplina (um artigo, um sistema computacional etc.), reservamos as últimas aulas para a apresentação e avaliação colaborativa dos projetos desenvolvidos. A apresentação tem o formato de um pitch em que o aluno (ou grupo) tem de 3 a 5 minutos para mostrar-argumentar a qualidade do projeto. Após a apresentação, os colegas da turma preenchem um formulário de avaliação atribuindo, ao projeto apresentado, uma nota para cada critério de avaliação previamente combinado com a turma. O aluno-apresentador também preenche o mesmo formulário, o que produz uma nota de autoavaliação. Nós, professores, também avaliamos e produzimos a nota do(s) professor(es). A nota do projeto é então calculada como sendo a média das notas: do professor, dos colegas e de autoavaliação. Esse é método de avaliação colaborativa que adotamos em nossas disciplinas.
O ideal é que, cedo ou tarde, se invente uma forma pela qual os educandos possam participar da avaliação. É que o trabalho do professor é o trabalho do professor com os alunos e não do professor consigo mesmo (FREIRE, 1996).
A atribuição de notas colaborativamente é um método trabalhoso porque ainda não encontramos um bom suporte computacional para realizá-lo, por isso costumamos realizá-lo somente para a avaliação do projeto final desenvolvido pelos alunos ao longo da disciplina. Mas realizamos a avaliação colaborativa em quase todas as disciplinas que lecionamos porque, ainda que possa haver alguma diferença entre as três notas atribuídas a cada projeto, compreendemos que os alunos geralmente acham a nota justa e gostam de participar dessa avaliação democrática.
6. Promova a autoavaliação (em vez de a avaliação ser feita apenas pelo professor)
Fonte: ilustração de Mônica Lopes
Paulo Freire, em Pedagogia da autonomia, aponta o respeito à autonomia do estudante como sendo um dos saberes necessários à prática educativa:
A autonomia vai se constituindo na experiência de várias, inúmeras decisões, que vão sendo tomadas. […] Ninguém amadurece de repente, aos 25 anos. A gente vai amadurecendo todo dia, ou não. A autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser. Não ocorre em data marcada. É neste sentido que uma pedagogia da autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, vale dizer, em experiências respeitosas da liberdade (FREIRE, 1996).
Compreendemos que o desenvolvimento da autonomia dos estudantes requer também o desenvolvimento da capacidade de se autoavaliar, avaliar seu processo de aprendizagem e suas competências. Já sei o suficiente? Estou satisfeito com as competências que desenvolvi até agora? Considero que esta minha obra está adequada?
O desenvolvimento da capacidade de se autoavaliar requer experimentação; requer que criemos oportunidades para o aluno exercer a autocrítica, experimentar o processo de avaliar a si (autoavaliação) e também aos colegas (avaliação colaborativa). Alguns professores têm receio de partilhar a responsabilidade da avaliação com os alunos, achando que eles se atribuirão sempre nota dez. Para que isso não ocorra, além de conversarmos sobre o objetivo e a ética da avaliação de si e dos colegas, podemos também combinar critérios e rubricas para apoiar os alunos a realizarem uma avaliação conscienciosa. As notas atribuídas pelo aluno, pela turma e pelo professor possibilitam a reflexão sobre como cada um avalia em comparação com os colegas e o professor, e assim refletir sobre seus posicionamentos.
A autoavaliação também pode ser realizada de maneira qualitativa, por exemplo, com o uso do diário de aprendizagem em que o aluno registra suas certezas provisórias e dúvidas temporárias. Uma alternativa ao diário é elaborar uma monografia a ser entregue no final da disciplina com reflexões sobre o que aprendeu e desaprendeu no percurso.
Compreendemos, também, que promovemos a autoavaliação de maneira implícita através de conversas e do compartilhamento das autorias, pois essas ações possibilitam a exposição e troca de conhecimentos, o que instiga o aluno a avaliar as próprias produções e competências em comparação com as dos colegas.
O trabalho pedagógico deixa de ser exclusividade do professor e passa a ser partilhado com o aluno, que vai, aos poucos, consolidando a autoconfiança ao perceber-se capaz de tomar decisões sobre a aprendizagem da qual ele é o autor. Levando-se em conta que a reelaboração das ideias só pode ser realizada pelo próprio aluno, e que o conhecimento não se dá por acumulação e sim por reconstrução dos saberes adquiridos, a avaliação formativa evolui necessariamente para a autoavaliação. Esta se insere na proposta de avaliação formativa e pressupõe uma relação baseada na reciprocidade e na partilha; portanto, não se reduz a um instrumento e nem se realiza em um único momento: é processual. Professor e aluno, ao mesmo tempo, ensinam e aprendem a operacionalizar uma proposta pedagógica nova, adotando uma metodologia de ensino, de aprendizagem e de avaliação diferenciada. Nessa medida, a autoavaliação apresenta-se como uma possibilidade de o aluno reorientar sua aprendizagem, sob acompanhamento do seu professor, o qual analisa, corrige, sugere, discute os resultados que estão sendo alcançados. […] Portanto, a avaliação formativa tem na autoavaliação um procedimento indissociável da metacognição (GRILLO; FREITAS, 2010, p.45-46).
7. Avalie continuamente, em todas as aulas (em vez de avaliar pontualmente a cada bimestre)
Fonte: ilustração remixada de (SOUZA; OLIVEIRA, 2020)
Avaliação precisa ser cotidiana, mas nem toda avaliação precisa virar nota. Pode ser realizada por meio das conversas em aula, pela troca de mensagens online, pelas manifestações espontâneas dos alunos, pela qualidade das atividades realizadas, pelas apresentações que os alunos fazem para a turma e pelas discussões (ou silêncio) que delas se desdobram, pela postura “epistemologicamente curiosa” dos alunos ou pela apatia e desinteresse em cada aula.
Quando um professor passa toda a aula apresentando conteúdos para a turma e tira dúvidas ao final, não consegue avaliar adequadamente a aprendizagem, pois os alunos têm vergonha de perguntar algo porque interrompe a exposição do professor, atrapalha o fluxo de raciocínio dos colegas e se expõe, podendo ser julgado como burro, desatento ou despreparado. Por isso, precisamos projetar atividades e mobilizar diversos meios para os alunos se expressarem e devemos acompanhar o engajamento deles no processo de formação – e essas ações precisam ser planejadas e realizadas em todas as aulas para possibilitar a avaliação contínua.
8. Efetive uma avaliação formativa (em vez de “sentenciva”)
Fonte: ilustração de Mônica Lopes
Avaliar serve para investigar o processo de aprendizagem enquanto ele ocorre, para que se possa diagnosticar problemas e assim reorientar o curso para apoiar a formação. Provas bimestrais não promovem uma avaliação formativa, pois fornecem poucas informações sobre o processo de aprendizagem, o que dificulta diagnosticar os problemas no cotidiano das aulas e dificulta o replanejamento do curso. O que se quer com a avaliação é acompanhar e orientar o estudante para que ele consiga se formar adequadamente, o que requer uma mudança de postura dos professores que estão acostumados a aplicar provas bimestrais:
Em vez de eu usar esses instrumentos, como uma prova, para aprovar ou reprovar, eu vou usar esses instrumentos como manifestação da conduta, do desempenho do aluno, para diagnosticar se ele está tendo um desempenho satisfatório ou não. […] Se ele tiver um desempenho insatisfatório, o que vai ser necessário fazer para que ele saia dessa insatisfatoriedade e chegue a um nível de satisfatoriedade? A questão não está nos instrumentos, a questão está na postura. Os exames têm muito a ver com uma postura autoritária: eu sei, eu comando, eu julgo, eu defino – eu professor, eu educador. Na avaliação, tem-se uma postura muito mais dialógica: eu estou aqui, ao seu lado, para você aprender, […] a avaliação é construtiva (LUCKESI, s.d., Parte 3, 9:32-11:56).
9. Evite a avaliação por prova (em vez de sempre avaliar por prova)
Fonte: ilustração remixada de (COELHO; SOUZA; ALBUQUERQUE, 2020)
A prova presencial ficou impossibilitada durante a pandemia, para não aglomerar os estudantes em ambientes fechados. Houve instituição que criou uma “prova online”, em que os alunos respondem à prova em frente a uma câmera de tal forma que um supervisor possa ver que o aluno não está consultando alguém ou algum conteúdo, fisicamente ou pelo computador. Contudo, muitas instituições, inclusive de EAD, assumiram que não seria possível garantir que todos os estudantes teriam uma conexão de internet com qualidade suficiente para a realização de atividades síncronas com transmissão de vídeo, e por isso estabeleceram que a avaliação deveria ser realizada por meio de atividades assíncronas, o que impossibilita a aplicação de prova como a conhecemos.
Os ambientes de ensino online não permitem a realização de avaliações escritas síncronas em igualdade de condições para todos os alunos. Por esse motivo, o sistema de avaliação composto de uma prova aplicada em um determinado horário, ainda que online, não é recomendado e não deverá ser adotado. A nota deverá refletir o conjunto de atividades realizadas pelos alunos na disciplina. Estas atividades podem incluir exercícios, testes, questionários, resumos, fichamentos de textos, etc. (Circular PUC-Rio 07/2020, de 08 de abril de 2020).
Para as atividades de ensino Graduação, ficam estabelecidas as seguintes diretrizes com relação às ações de ensino remotas: […] realizar as avaliações de aprendizagem por meio de atividades assíncronas, com período de entrega de, no mínimo, uma semana (Boletim UNIRIO nº1, de 15 de janeiro de 2021).
[Em uma instituição de EAD] De quantos encontros presenciais tenho que participar? Nenhum. De acordo com as novas exigências do MEC, encontros presenciais para cursos de Graduação estão suspensos devido ao isolamento social. Por enquanto, todo o curso é 100% digital, conforme regulamenta o MEC durante o período de isolamento social (Perguntas frequentes, UNYLEYA).
Essa situação representou uma novidade para muitos, pois a prova é o instrumento de avaliação mais utilizado pela maioria dos professores (PIMENTEL; CARVALHO, 2021). A abrupta mudança dos processos de ensino-aprendizagem provocada pela crise sanitária também exigiu modificação das práticas de avaliação criando uma oportunidade para buscarmos alternativas para superar a perspectiva do exame por prova.
Quando evitamos ou somos impedidos de aplicar provas bimestrais, somos desafiados a repensar a avaliação, a nos questionar que alternativas temos, a ampliar nossos repertórios de práticas avaliativas, a ler um texto como este, a fazer uma formação continuada, a discutir com nossos pares-colegas o que cada um tem feito e que está dando certo e o que já deu errado (e o porquê), a experimentar novas maneiras de avaliar e a pesquisar os efeitos dessas nossas invenções – e assim nos tornamos professores mais competentes porque construímos mais saberes sobre a avaliação para aprendizagem.
Será que a prova ainda tem alguma utilidade para o processo de ensino-aprendizagem?
[…] Claro que o exame [por prova] tem algum lugar. Na vida social tem muitos lugares, por exemplo [… em concursos públicos com poucas vagas e muitos candidatos] se faz um exame para selecionar aqueles que, naquele exame, tenham um melhor desempenho. […] O exame tem suas utilidades [para selecionar], mas não tem utilidade no processo do ano letivo, no processo da construção – aí não tem utilidade nenhuma (LUCKESI, s.d., Parte 4, 12:00-13:51).
Peço licença ao meu parceiro coautor para que eu, Mariano Pimentel, possa apresentar uma reflexão sobre um caso vivido em meu cotidiano educacional. Sempre me considerei um professor progressista que nunca aplicaria provas. Até na EAD, em que a prova presencial é uma exigência legal, consegui permissão para não aplicar provas em caráter experimental (PIMENTEL, 2018). Contudo, ao lecionar para os calouros do curso de Computação, enfrentei um problema: por não aplicar provas, alguns alunos consideraram que não era importante estudar para aquela disciplina e até começaram a matar algumas aulas, pois preferiam se dedicar para as demais disciplinas em que tinham de passar em uma prova. Percebi que os alunos vão compreendendo, ao longo dos períodos do curso, a importância e a validade dos trabalhos práticos “mão na massa”, das atividades autorais e dos projetos de aprendizagem, mas quando entram para o curso ainda estão acostumados com a cultura do exame por prova e nem sempre é possível ressignificar essa cultura no primeiro semestre do curso em uma única disciplina. Acabei adotando também as provas bimestrais, mas valendo apenas parte da nota, sendo a outra parte composta pelas notas obtidas em atividades autorais e no projeto de aprendizagem. Essa reconfiguração do sistema avaliativo resolveu o problema que estava ocorrendo na disciplina. Lição aprendida: definitivamente não há uma receita única para realizarmos as avaliações da aprendizagem em qualquer contexto; eu, que sempre havia condenado o uso das provas, compreendi que naquela situação específica era importante também utilizá-las conjugando-as com outros instrumentos de avaliação.
10. Flexibilize/personalize a atribuição de notas (em vez de elaborar um método único-rígido para todos)
Fonte: ilustração remixada de (SASSI, 2020)
Se não pudermos abolir as provas, como no caso da EAD, podemos ao menos compor a nota da prova com a de outros instrumentos de avaliação. Se a nota for uma exigência da instituição, podemos ao menos mobilizar diversos instrumentos de avaliação para produzi-la. Crie alternativas para a produção das notas e possibilite algum tipo de recuperação.
Por exemplo, se na disciplina é proposta uma atividade autoral por semana, em vez de a nota ser calculada pela média aritmética das oito notas que serão atribuídas em um bimestre, podemos combinar que serão consideradas somente as cinco maiores notas, assim o aluno até pode escolher quais atividades prefere realizar. Se na disciplina o conhecimento vai sendo construído progressivamente e de maneira acumulativa, se uma nota mais recente for maior que as notas anteriores, podemos descartar as anteriores em vez de calcular uma média.
[O professor] quer ter um papel na mão, que se chama prova, contando os pontinhos item por item para fazer uma mediazinha no final para dar para o aluno. Mas se ele [o aluno] tem um desempenho relativamente adequado, por que não dar sete (se for sete o desempenho mínimo)? Porque aquilo é só um registro do percurso. O que aconteceu, historicamente, é que a nota passou a ser a própria avaliação, […] a nota passou a ser um fator mais importante do que o diagnóstico, e daí toda essa preocupação que nós temos: qual é a minha nota (o aluno pergunta); […] ou o professor usa a nota como um recurso de ameaça ou coisa semelhante (LUCKESI, s.d., Parte 3, 20:30-21:44 e Parte 4).
Exemplo de avaliação para aprendizagem em um curso remoto e as tecnologias digitais em rede que mobilizamos para apoiar as ações de avaliação
Queremos exemplificar como utilizamos os 10 princípios para pensar-fazer a avaliação para aprendizagem em um curso de formação continuada que foi oferecido remotamente para 26 professores de uma universidade pública durante o primeiro semestre de 2021 com o objetivo de desenvolver a competência de desenhar uma aula com base nos Princípios da educação online (PIMENTEL; CARVALHO, 2020).
Aulas de um curso de formação continuada
O curso foi organizado em 13 aulas, sendo: a 1ª aula voltada para o acolhimento dos participantes; a 2ª aula para discutirmos desenho didático online e combinarmos o projeto de aprendizagem a ser desenvolvido ao longo do curso: um plano de aula desenhada com base nos princípios da educação online; a 3ª aula para apresentarmos os fundamentos da educação online; em seguida, uma aula para ressignificar/tecer-colaborativamente conhecimentos sobre cada princípio da educação online, totalizando oito aulas; e as duas últimas aulas foram reservadas para os professores-cursistas apresentarem o plano de aula online que elaboraram e realizarmos a avaliação colaborativa desses planos.
Desenho didático de uma aula do curso
Cada aula foi organizada em três momentos: (1) antes do encontro remoto – alguns conteúdos foram selecionados sobre a temática da aula para os professores-cursistas estudarem antes do encontro remoto, efetivando assim a aula invertida; (2) durante o encontro remoto – geralmente, no encontro realizávamos uma “apresentação dialogada” para fazer uma síntese-revisão do tema da aula, em seguida realizávamos alguma dinâmica de grupo (para levantar informações, elaborar críticas, autorias etc.) e depois realizávamos uma discussão no coletivo com base no que tivesse sido produzido na dinâmica de grupo; (3) após o encontro remoto – ficava “para casa” (atividade assíncrona) uma atividade autoral: com base no princípio trabalhado na aula da semana, o professor-cursista deveria refinar o desenho de sua aula online.
No curso, propusemos variados instrumentos de avaliação [Princípios 1 e 2] e negociamos com a turma um contrato de avaliação [Princípio 3]. As médias dos pesos atribuídos pelos cursistas aos instrumentos propostos foram:
Média dos pesos atribuídos pelos cursistas, pelo Mentimeter
Para a nossa surpresa, essa turma quis ser avaliada por meio de uma “prova final”, mas valendo o menor peso entre os instrumentos sugeridos, menos de 10% da nota. Definitivamente não há uma receita única que valha para qualquer contexto…
O instrumento mais valorado por aquele grupo de professores foi a “presença nos encontros remotos”, indicado para valer 1/3 da nota (33%). Esse também é um dado surpreendente, porque em geral os professores universitários não costumam pontuar os graduandos pela presença nas aulas. Presença nos encontros remotos é uma atitude de engajamento no processo [Princípio 2], não tem a ver com o resultado da aprendizagem, e mesmo assim houve um reconhecimento, por parte daqueles professores, de que era a coisa mais importante do curso, o que deveria valer mais pontos na nota final. A presença nos encontros remotos não leva em consideração se o cursista participou das discussões nem se colaborou com a turma na realização das dinâmicas propostas, mas é uma maneira simples de metrificarmos o engajamento. Torcemos para que aqueles professores tenham aprendido essa lição sobre o valor do engajamento e o considerem ao avaliarem os alunos.
O “projeto de aprendizagem” e a “apresentação do projeto” também foram muito valorados por aquele grupo de professores, que indicou que esses dois instrumentos deveriam valer outro 1/3 da nota (36% para sermos precisos). Concordamos que o projeto de aprendizagem precisa ser valorizado, mas não deve ser a única coisa a ser levada em consideração no cálculo da nota do cursista.
Aos demais instrumentos de avaliação propostos – “Atividades pontuais”, que se referem a algumas das atividades síncronas e assíncronas selecionadas para valer ponto na nota final; e “Estudo de conteúdos”, que se refere a vídeos e textos que deveriam ser estudados antes de cada encontro remoto e que pontuariam na nota final – a turma lhes atribuiu peso 13% e 10%, respectivamente.
Com base nas indicações dos pesos pela turma, negociamos alguns ajustes e, pelo Google Sala de Aula, que era o ambiente virtual de aprendizagem mais utilizado por aquele grupo de professores, criamos as “categorias das notas” para rotular as atividades de cada instrumento de avaliação e atribuímos os pesos negociados para cada categoria, efetivando assim os Princípios 1, 2 e 3 apresentados na seção anterior.
Instrumentos de avaliação e seus pesos na composição da nota final, pelo Google Sala de Aula
Foram empregados diferentes métodos para atribuir as notas aos diferentes instrumentos de avaliação.
Para pontuar a “presença nos encontros remotos” [Princípio 2], registramos a presença dos cursistas em cada encontro remoto em uma planilha, e a nota da presença foi o percentual de encontros a que cada um esteve presente. Esse controle teve de ser feito manualmente, pois desconhecemos uma forma automática para o Google Sala de Aula registrar a frequência dos participantes da turma nos encontros remotos pelo Google Meet.
O método de avaliação colaborativa [Princípios 5 e 6] foi empregado para pontuar a “apresentação do projeto”. Estabelecemos previamente algumas características que o projeto deveria ter (critérios de avaliação) e, nos últimos dois encontros remotos, após cada apresentação de um projeto, os cursistas julgaram qual era o nível de qualidade do projeto entre as opções dadas (rubricas) [Princípio 4]. Criamos o formulário apresentado na figura a seguir para a coleta dessas informações. Ao final da dinâmica, consolidamos as notas atribuídas a cada projeto (pela média das notas: dos colegas da turma, de autoavaliação e do professor), depois divulgamos a planilha com as notas consolidadas e registramos as notas numa atividade do Google Sala de Aula.
Formulário para apoiar a avaliação colaborativa, pelo Google Formulários
Após a apresentação dos projetos para a turma, coube a nós, professores-mediadores daquele curso, analisarmos e atribuirmos uma nota para cada documento com o “plano de aula online” dos professores-cursistas. Para essa avaliação, criamos os critérios e rubricas apresentadas no Princípio 4 da seção anterior. O Google Sala de Aula dá um bom suporte para esse método de avaliação.
Para pontuar o “estudo de conteúdo”, criamos atividades em que os cursistas deveriam ler um texto ou ver um vídeo e depois marcar a atividade como concluída [Princípio 2]. Esse é um método de avaliação em que o próprio cursista assume a responsabilidade de informar se estudou ou não aquele conteúdo. Alguns professores sentem necessidade de verificar-certificar e preferem que o aluno entregue alguma “evidência” do estudo, como uma resenha sobre o conteúdo, a ser utilizada para a atribuição de uma nota. Nós preferimos confiar que o cursista dará essa informação corretamente, compreendemos que ele precisa se corresponsabilizar por seu processo de estudo [Princípio 6].
Com relação à “atividade pontual”, em geral atribuímos nota máxima para quem fez a atividade e nota zero para quem não a fez. Nesse método de pontuação, não consideramos a qualidade, não punimos com nota baixa quem apresentou algum problema conceitual ou prático na realização da atividade, pois entendemos que o erro é parte do processo de aprendizagem. Esse método considera apenas o engajamento (se fez ou não fez) [Princípio 2], e o aluno que tiver feito a atividade poderá aprender por meio de feedbacks sobre a performance na atividade, o que pode ser feito durante ou após a realização da atividade, através de comentários escritos ou falados, feitos pelo professor ou pelos colegas da turma.
Com relação à “prova final”, demandada por aquele grupo de professores, ela foi realizada em duas partes. A primeira parte da prova consistiu em responder a um questionário sobre os conteúdos trabalhados na disciplina, com questões de múltipla escolha (a última questão encontra-se ilustrada na figura a seguir). O Google Sala de Aula possibilita a criação de uma “atividade com teste”, cujas respostas do aluno são corrigidas automaticamente e a nota é imediatamente lançada na planilha de notas da turma, dispensando a atuação do professor na correção dessa atividade avaliativa. Problematizamos esse método de avaliação automática que tem legitimado o avanço do cibertecnicismo, principalmente no ensino superior (PIMENTEL; CARVALHO, 2021).
Prova com correção automática, pelo Google Sala de Aula
Já a segunda parte da prova consistiu em duas questões abertas para o professor-cursista refletir sobre as próprias práticas docentes em relação aos princípios da educação online. Essa segunda parte da prova, com questões atreladas à experiência de vida e formação do cursista, serviu para contrastar com a verificação do apre(e)ndido efetivado na primeira parte da prova. Se não for possível evitar a prova [Princípio 9], ao menos podemos inventar maneiras de tornar essa atividade mais condizente com nossos pressupostos teórico-epistemológicos.
Por meio de todos esses instrumentos, conseguimos efetivar uma avaliação contínua [Princípio 7], pois em toda aula os cursistas tinham ao menos um conteúdo para estudar, um encontro remoto para participar e uma atividade para realizar, tudo influenciando na nota.
A avaliação formativa [Princípio 8] precisa ser contínua, mas não precisa necessariamente influenciar a nota do cursista. No curso em questão, as conversas durante a apresentação dialogada, a performance na dinâmica de grupo e a discussão no coletivo nos possibilitavam acompanhar a tecedura e ressignificação dos conhecimentos, a evolução da aprendizagem pela turma e também individualmente.
Os instrumentos de avaliação mobilizados no curso geraram centenas de notas. No total, foram 22 atividades com nota e, como houve a participação 26 professores-cursistas, foram produzidas 572 notas, cuja média ponderada é calculada na planilha “Notas” do Google Sala de Aula (figura a seguir).
Planilha de notas (contendo 572 notas), pelo Google Sala de Aula
Essa planilha é muito útil para nos apoiar a acompanhar os alunos ao longo do curso: quem chegou ao final com sucesso, quem nem chegou a participar do curso, quem abandonou (podemos realizar ações para tentar trazê-lo de volta ao curso), e quem não acumulou pontos suficientes para passar ao final – para os poucos casos nessa situação (geralmente são poucos porque o processo é formativo e os cursistas geralmente se engajam no processo ou acabam abandonando o curso), propomos atividades para a recuperação da nota [Princípio 10].
Concluindo…
Acompanhar e mediar a aprendizagem, avaliar em toda aula, valorar as atividades realizadas pelos alunos, valorar as atitudes de engajamento no processo de estudo, atribuir notas por meio de variados instrumentos de avaliação, realizar avaliação colaborativa e autoavaliação, tudo isso dá mais trabalho do que dar aulas-palestras e aplicar provas bimestrais. Provas bimestrais possibilitam a certificação dos estudantes, mas não possibilitam ao professor diagnosticar o processo de aprendizagem se dando (o que impossibilita melhorá-lo em curso) e, em geral, os estudantes não gostam de fazer provas e testes (PIMENTEL; CARVALHO, 2021a).
Do nosso ponto de vista e de vários pesquisadores da avaliação da aprendizagem (LUCKESI, 1999; LUCKESI, s.d.; SILVA; SANTOS, 2006; ARAÚJO, 2013), conforme tudo o que argumentamos neste artigo, consideramos que cabe ao professor realizar a avaliação formativa em vez de exames. Cabe ressaltar que o trabalho para efetivar a avaliação formativa, contínua, colaborativa e multi-instrumental tem se tornado mais gerenciável com o apoio das tecnologias digitais em rede, especialmente dos ambientes virtuais de aprendizagem, conforme exemplificamos na seção anterior.
Compreendemos, também, que precisamos combater a pedagogia do exame (LUCKESI, 1999), a cultura de teste (AMANTE, 2017), que tem legitimado a abordagem cibertecnicista (PIMENTEL; CARVALHO, 2021a), que tem resultado em um processo educacional precário em vez de cumprir a promessa de “garantir a qualidade”, conforme discutimos no terceiro dos “Cinco equívocos sobre avaliação da aprendizagem” (PIMENTEL; CARVALHO, 2021b).
É muito mais fácil pedir para que o professor repita os conceitos numa provinha e corrija, do que estar atento à dinâmica desses fatores todos, para, além de prestar atenção no conhecimento, trabalhar para que esse conhecimento se transforme em condutas do dia a dia. Então é muito mais trabalhoso! Exige uma necessidade de vínculo, de comprometimento da relação professor-aluno muito diferente daquela em que o professor chega lá na frente, senta em seu birô, em seu estrado, faz a sua fala, faz a sua conferência e depois aplica uma provinha para ver o que sobrou. Então é muito mais trabalhoso, e isso vai exigir uma formação. […] Então vagorosamente a gente vai ter que estar formando gente que esteja comprometida com essa nova forma, uma forma mais verdadeira e mais humana de ensinar, de educar, que leve em consideração conhecimento e vida (LUCKESI, s.d., Parte 3, 5:07-9:20).
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Este texto faz parte de uma série sobre EDUCAÇÃO ONLINE:
- Os princípios da Educação Online: para sua aula não ficar massiva nem maçante!
- Ambiências computacionais para dinamizar a sua aula: é hora de ocuparmos ciberespaços!
- Aprendizagem online é em rede, colaborativa: para o aluno não ficar estudando sozinho a distância
- Há conversação em sua aula?
- Atividades autorais online: aprendendo com criatividade
- Cinco equívocos sobre avaliação da aprendizagem
- Princípios da avalição para aprendizagem na educação online
Também recomendamos assistir ao registro desta live:
Registro da Live sobre concepções e práticas de avaliação online
Fonte: https://youtu.be/E626pcePUXg
Referências
AMANTE, Lúcia. Cultura da avaliação e contextos digitais de aprendizagem: o modelo PrACT. Revista Docência e Cibercultura, v. 1, n. 1, p. 135-150, 2017.
ARAÚJO, Renata Kelly de Souza. A interatividade como processo na avaliação da aprendizagem na educação online. Dissertação de Mestrado, Recife, UFPE, 2013.
BUZATO, Marcelo El Khouri. Multiletramentos e informática na escola. In: SANTOS, Edméa O.; PIMENTEL, Mariano; SAMPAIO, Fábio F. (org.). Informática na educação: autoria, linguagens, multiletramentos e inclusão. Porto Alegre: Sociedade Brasileira de Computação, 2021.
CARVALHO, Felipe; PIMENTEL, Mariano. Aprendizagem online é em rede, colaborativa: para o aluno não ficar estudando sozinho a distância. SBC Horizontes, jun. 2020.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
GRILLO, Marlene Correro; FREITAS, Ana Lúcia Souza de. Autoavaliação: por que e como realizá-la. In: GRILLO, M. C.; GESSINGER, R. M. (org.) Por que falar ainda em avaliação?. Porto Alegre: Marista: EDPUCRS, 2010. p. 45-49.
HOFFMANN, J. Avaliação – mito e desafio: uma perspectiva construtivista. 19.ed. Porto Alegre: Mediação, 1996.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da aprendizagem escolar: estudos e proposições. 9. ed. São Paulo: Cortez, 1999.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação da Aprendizagem. YouTube, 2020.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Avaliação Escolar. YouTube, 2020.
PIMENTEL, Mariano; CARVALHO, Felipe. Cinco equívocos sobre avaliação da aprendizagem. SBC Horizontes, ago. 2021b.
PIMENTEL, Mariano; CARVALHO, Felipe. Instrução (re)programada, máquinas (digitais em rede) de ensinar e a pedagogia (ciber)tecnicista. SBC Horizontes, jul. 2021a.
PIMENTEL, Mariano; CARVALHO, Felipe. Princípios da educação online: para sua aula não ficar massiva nem maçante! SBC Horizontes, maio 2020.
SANTOS, Edméa. Educação Online: cibercultura e pesquisa-formação na prática docente. Tese em Educação, UFBA, 2005.
SANTOS, Edméa. Pesquisa-formação na cibercultura. Teresina: EDUFPI, 2019.
SANTOS, Edméa; LIMA, Gilson Alves. Avaliação da aprendizagem em educação online: cocriação de fundamentos, práticas e dispositivos. In: AMANTE, L.; OLIVEIRA, I. (org.). Avaliação das aprendizagens: Perspetivas, contextos e práticas. Lisboa: Universidade Aberta, 2016. p.75-98.
SANTOS. Edméa (org.). Diário Online: Dispositivo multirreferencial de pesquisa-formação na cibercultura. Santo Tirso: Whitebooks, 2014.
SILVA, Marco; SANTOS, Edméa (org.). Avaliação da aprendizagem em educação online: fundamentos, interfaces e dispositivos, relatos de experiências. São Paulo: Edições Loyola, 2006.
Como citar este artigo:
PIMENTEL, Mariano; CARVALHO, Felipe. Princípios da avaliação para aprendizagem na educação online. SBC Horizontes, set. 2021. ISSN 2175-9235. Disponível em: <http://horizontes.sbc.org.br/index.php/2021/09/avaliacao-online>. Acesso em: DD mês. AAAA.
Mariano Pimentel é doutor em Informática, professor da UNIRIO, organizador/coautor dos livros Sistemas Colaborativos (Prêmio Jabuti, 2011), Do email ao Facebook (2014), Metodologia de Informática na Educação (2021) e Informática na Educação (2021). Realiza pesquisas em Sistemas de Informação, Informática na Educação e Sistemas Colaborativos.
Currículo Lattes
Felipe Carvalho é doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Educação ProPEd/UERJ, membro do Grupo de Pesquisa Docência e Cibercultura (GPDOC) e do Grupo de Estudos de Gênero e Sexualidade em Interseccionalidades na Educação e na Saúde (GENI).
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