Mulheres na Computação no Brasil: histórias e memórias de Claudia Bauzer Medeiros

Mulheres na Computação no Brasil: histórias e memórias de Claudia Bauzer Medeiros

 

Por Alice Fonseca Finger, Aline Vieira de Mello, Amanda Meincke Melo e Clevi Elena Rapkiewicz

            Este texto traz histórias e memórias de Claudia Bauzer Medeiros, primeira mulher a presidir a Sociedade Brasileira de Computação (SBC). Nele são  abordadas informações sobre sua família de origem, família constituída, formação escolar (desde a educação básica até a pós-graduação) e mercado de trabalho. Este texto faz parte do e-book Mulheres na Computação no Brasil: histórias e memórias que traz histórias de oito mulheres com contribuições significativas na área da Computação, com o intuito de servir de inspiração para as atuais e futuras gerações.

            Claudia Bauzer Medeiros nasceu em 1954, no Rio de Janeiro (RJ), quando a cidade era capital do Brasil. É a filha mais velha de pai médico e mãe professora. Possui um irmão e uma irmã – todos criados de igual maneira. Tanto o pai quanto a mãe eram responsáveis pela criação e educação dos filhos. O pai sempre apoiou a profissão de sua mãe, que muitas vezes precisava viajar a trabalho. Destacou durante a live, várias vezes, como os pais tiveram um casamento “igualitário”, coisa rara na época.

            Sua infância foi dividida entre brincadeiras e estudos. Muitas brincadeiras envolviam a imaginação e estímulo à curiosidade. Ela e os irmãos costumavam pintar as paredes com água, assim toda a bagunça terminava quando a água evaporava. Sua mãe contava histórias durante o almoço e ela e os irmãos precisavam comer para saber o final.

            Quando tinha 5 anos, adorava ir ao jardim de infância, porém, quando a professora foi trocada, Claudia não quis mais ir. Nos três anos seguintes, chorou para ir à escola. Apesar disso, ela gostava de estudar em casa e sempre tirava notas boas. Adorava Matemática, tanto que elaborava questões matemáticas para que ela mesma resolvesse. Cresceu ouvindo que o estudo era uma alegria e uma obrigação. Até os quinze anos, seus pais tomaram suas lições em várias matérias, ressaltando-se o fato que reconheceram, desde cedo, a importância de aprender a falar inglês, que passou a ler fluentemente desde os 12 anos e a falar fluentemente a partir dos 14 anos.

            Como era tímida e passava o tempo em casa sem interagir com pessoas, sua mãe a matriculou, aos 14 anos, em um curso de guia de turismo. Após um ano de curso, foi contratada pelo desembaraço e porque conseguia resolver problemas e responder perguntas. Dos 16 aos 22 anos, foi guia aos finais de semana e em tempo integral nas férias. O trabalho desde cedo foi estimulado como parte da educação em sua casa e, assim, seus irmãos começaram a trabalhar aos 16 anos em carreiras profissionalizantes.

            Os pais lhe diziam que podia fazer o que quisesse, desde que estudasse e fosse uma pessoa decente. Ela queria fazer Matemática. Porém, durante o ciclo básico para Exatas e Engenharias da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), optou por fazer Engenharia Elétrica porque acreditava que teria mais oportunidades. Durante a graduação, fez matérias de Computação e foi monitora de Computação Básica. Nessa monitoria, uma das atividades era ler manualmente cartões perfurados – quando o que era impresso no cartão ficava apagado.

            Gostava de Computação e passou na prova para analista de sistemas para realizar estágio na empresa Furnas Centrais Elétricas. Depois do estágio de um ano, foi contratada, trabalhando na programação de sistemas operacionais IBM básicos. Um fato curioso foi que precisou trabalhar com um computador que lia fita de papel e, às vezes, a fita arrebentava. Portanto, aprendeu a ler manualmente as fitas (como Braille) para que pudesse emendá-las e permitir que os códigos continuassem funcionando corretamente. Enquanto trabalhava em Furnas, fez mestrado em Ciência da Computação na PUC-Rio.

            Depois de concluir o mestrado, ficou um ano sem fazer algum curso, por opção própria, para decidir se queria seguir carreira acadêmica ou manter atividades profissionais. Nesse período, continuou trabalhando em Furnas e era professora horista da PUC-Rio. Ao final de 1980, pediu demissão e foi para o Canadá fazer o doutorado. Foi reprovada na primeira vez que tentou fazer o exame de qualificação e declarou que chorou muito. Porém, também ressaltou que tudo exige esforço e que frustrações acontecem. Segundo Cláudia, se você consegue superar as frustrações, você vai chegar em um lugar melhor – pode até não ser aquele desejado, mas será melhor do que o atual.

            Ao concluir o doutorado, foi convidada para trabalhar na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), assumindo o cargo em 4 de novembro de 1985. Considera que ser professora é uma consequência de ter realizado o doutorado, mas cada vez mais consequência de constatar o valor na formação de profissionais e pesquisadores.

            Em sala de aula, são vários exercícios “diferentes”. Um deles é fazer a dinâmica de passar o jornal do dia e pedir aos estudantes que proponham um projeto de pesquisa baseado na manchete, ou seja, estimula a reflexão de como resolver problemas da sociedade usando a Computação. Outro hábito é ter o desenho de todos os orientandos em um quadro, representados em forcas (“forcômetro”), para que eles percam uma parte quando cometem um erro, ou juntem pedaços quando fazem algo bom. Quando a orientação é concluída, existe a cerimônia em que o desenho é apagado. Em algum momento, chegou a pagar aulas de dança de salão para que seus orientandos perdessem a timidez.

            Quando foi presidente da Sociedade Brasileira de Computação (SBC), entre 2003 e 2007, nomeou intencionalmente diretores de todas as regiões do Brasil e distribuiu os cargos entre homens e mulheres. Ressalta que anteriormente a maioria dos diretores eram homens que residiam em São Paulo, Rio de Janeiro ou Porto Alegre. Em congressos, faz perguntas, também intencionalmente, para que as pessoas a conheçam e para estimular discussão. Só salienta que as perguntas devem ser boas para que o destaque seja positivo.

            Em sua família, não havia diferença entre homens e mulheres. Por exemplo: a mãe dizia que todos deviam saber cozinhar e lhe deu uma aula memorável de quebrar ovos para separar a clara da gema e seu irmão também aprendeu a cozinhar. Assim que obteve a carteira de motorista seu pai lhe ensinou a trocar pneu.

            Lembra-se de ter sido discriminada apenas duas vezes por ser mulher: uma vez, em trabalho de campo, um agricultor não respondia suas perguntas, que precisavam ser repetidas por um colega professor da Engenharia Agrícola, quando, então, o agricultor respondia. A outra situação aconteceu quando, ao chegar a Campinas (SP), em 1985, já contratada como docente da Unicamp, tentou alugar apartamento, dificultado por ser mulher solteira. Mulheres solteiras, na época, eram consideradas baderneiras na cidade. Por outro lado, observa que foi discriminada várias vezes por ser idosa.

            Ressalta que teve excelentes professores que gostavam de ler e estudar, começando pelos pais. Recomenda que as pessoas façam coisas diferentes para aumentar seus horizontes, conheçam pessoas e aprendam coisas novas. Além disso, que não tenham vergonha de dizer que não sabem e perguntem. Destaca, ainda, que é muito importante estudar, ler, sair da zona de conforto e fazer networking. Por fim, diz que a Computação é a melhor coisa do mundo porque permite você trabalhar com o que você quiser.

 

Para mais informações, acesse:

Acesse o e-book Mulheres na Computação no Brasil: histórias e memórias na íntegra: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/266567  
Acesse a transmissão online Mulheres na Computação no Brasil: Banco de Dados, disponível no canal YouTube do programa de extensão Programa C, em https://www.youtube.com/live/byhAW21d3qI
Acesse a página “Claudia Bauzer Medeiros”, do Projeto ENIGMA, em https://www.ufrgs.br/enigma/claudia-bauzer-medeiros/

Autoria

 
Alice Fonseca Finger. Professora adjunta na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), onde exerce a docência no Campus Alegrete desde 2014. É Bacharela em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Mestra e Doutora em Ciência da Computação pela mesma Universidade. Participa como equipe executora das ações de extensão do Gurias na Computação, projeto parceiro do Programa Meninas Digitais da Sociedade Brasileira de Computação. É líder do grupo de pesquisa Laboratory of Intelligent Software Engineering (LabISE). A Matemática sempre foi sua matéria preferida durante o ensino fundamental e médio. Na Computação, não foi diferente: é apaixonada pelas disciplinas matemáticas e teóricas. Currículo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/2691501072064698
Aline Vieira de Mello.Professora adjunta na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), onde exerce a docência no Campus Alegrete desde 2011. É Bacharela e Mestra em Ciência da Computação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutora em Ciência da Computação pela Sorbonne Université. Coordenadora do programa de extensão Programa C e do projeto de extensão Motus – Movimento Literário Digital. Participou da concepção da ação de extensão Gurias na Computação, projeto parceiro do Programa Meninas Digitais da Sociedade Brasileira de Computação, na qual atua até hoje. Coordena o projeto de pesquisa Egress@s – coleta, disponibilização e visualização de dados. Desde pequena gostava de estudar e, mesmo sem saber ligar um computador, escolheu fazer o ensino médio técnico em informática. Teve um ótimo desempenho e se apaixonou. Considera que sua trajetória é fruto de bastante dedicação e uma dose de sorte. Optou pela docência porque queria que seu trabalho fizesse diferença na vida das pessoas. É casada e mãe da Maria Fernanda, do Henrique (in memorian) e da Elisa. Currículo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/7822927936432169
Amanda Meincke Melo.Professora associada na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), onde exerce a docência no Campus Alegrete desde 2009. É Bacharela em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Mestra e Doutora em Ciência da Computação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É também Licenciada em Letras-Português pela UNIPAMPA. Participou da concepção da ação de extensão Gurias na Computação, projeto parceiro do Programa Meninas Digitais da Sociedade Brasileira de Computação, na qual atua até hoje. É membro suplente, representando o Campus Alegrete, no Comitê de Gênero e Sexualidade da UNIPAMPA. É líder do grupo de pesquisa Grupo de Estudos em Informática na Educação (GEInfoEdu), coordenadora projeto de ensino GEIHC – Grupo de Estudos em Interação Humano-Computador e do programa de extensão TRAMAS, acrônimo para Tecnologia, Responsabilidade, Autoria, Movimento, Amorosidade e Sociedade. Desde muito pequena aprendeu a gostar de Matemática e de jogos de tabuleiro. Na pré-adolescência, foi apresentada ao mundo dos jogos digitais. Currículo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/3659434826954635
Clevi Elena Rapkiewicz. Professora de Computação há mais de três décadas, em todos os níveis de ensino (educação básica, educação técnico-profissional, ensino superior e pós-graduação). Atuou em duas instituições públicas, a Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Duplamente graduada (Tecnologia em Processamento de Dados pela UFRGS e Pedagogia pela UERJ), é mestra e doutora pela COPPE/UFRJ na linha de pesquisa Informática e Sociedade. Estruturou o projeto de extensão ENIGMA – Mulheres na Computação em 2014. Fundou, em 2022, o Espaço ENIGMA visando ações voltadas para visibilidade de mulheres na área de Computação. Seus pais não concluíram sequer o primário, mas sempre valorizaram o estudo. Egressa de escola pública estadual sempre viu na Educação uma forma de transformar a sociedade. Currículo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/0588660330634011

 

Como citar este artigo

FINGER, Alice Fonseca; MELLO, Aline Vieira de; MELO, Amanda Meincke; RAPKIEWICZ, Clevi Elena. Mulheres na Computação no Brasil: histórias e memórias de Claudia Bauzer Medeiros. SBC Horizontes, dezembro de 2023. ISSN 2175-9235. Disponível em: https://horizontes.sbc.org.br/index.php/2023/12/mulheres-na-computacao-no-brasil-historias-e-memorias-de-claudia-bauzer-medeiros/. Acesso em: DD mês AAAA.

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