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Vina Systems pode estar mergulhada em fraudes


por Jade Scobri
| Curitiba, Brasil

Considerada uma das startups brasileiras de maior sucesso, a Vina Systems se tornou o maior unicórnio curitibano ao ser avaliada em mais de 21 bilhões de dólares antes de abrir seu capital na bolsa de valores. 

O responsável pelo sucesso da Vina Systems é justamente o iWear: o sistema vestível que combina diferentes dispositivos e tecnologias para monitorar a saúde do usuário, e cuja falha provocou a paralisação das funções motoras da piloto da Capivaras Airlines em agosto passado. A falha ocorreu no momento em que a piloto, Alberta Dumont, gerenciava problemas com o combustível da aeronave. Dumont apresentou nível altíssimo de estresse, desencadeando uma resposta do dispositivo de relaxamento que acabou paralisando completamente as funções motoras da piloto. A aeronave prosseguiu seu curso e caiu com 113 pessoas a bordo. 

A Vina System chegou a divulgar nota atribuindo a um ataque hacker a responsabilidade pela falha do iWear, porém apagou a nota pouco tempo depois. As investigações dos peritos do Centro de Ciências Forenses, da Universidade Federal do Paraná, descartaram um ataque hacker e concluíram haver erro na codificação do programa responsável por interpretar os níveis de estresse do usuário e desencadear a resposta de relaxamento motor. O programador responsável pela falha, Malcom Pila, foi indiciado por homicídio culposo. 

Para entender um pouco mais a questão, a reportagem conversou com o Professor Eduardo Todt, na UFPR, doutor com vasta experiência em robótica. Todt explicou que “esses wearables utilizados na saúde podem coletar dados em tempo real, identificando propriedades físicas e químicas do corpo para avaliar o bem-estar“. Ele explica que “wearables são pequenos dispositivos eletrônicos que, quando colocados no corpo (daí o nome “vestíveis”), podem medir temperatura, pressão arterial, nível de oxigênio no sangue, frequência respiratória, som, localização GPS, elevação, movimento físico, mudanças de direção, e também a atividade elétrica do coração, músculos, cérebro e pele. Essas informações possibilitam identificar diversas questões de saúde e bem-estar, do nível de estresse ao declínio cognitivo, e até mesmo sinais precoces de infecção e inflamação”.

 
Protótipos do iWear obtidos em exclusividade via DALL-E-2

Nos últimos anos, houve um aumento expressivo na adoção de wearables pela população. Especialmente depois da pandemia da COVID-19, governos em todo o mundo passaram a exigir o uso desses dispositivos vestíveis como passaporte, de modo a garantir e monitorar a saúde da população. No Brasil, o iWear foi um dos primeiros sistemas homologados pelo governo federal, e adotados para apoiar no controle da saúde da população em todos os atendimentos do SUS. As operadoras de planos de saúde privados também passaram a oferecer descontos a usuários desse tipo de dispositivo, incentivando sua adoção. 

O iWear foi pioneiro ao integrar diversos dispositivos e funcionalidades, como um biossensor autoadesivo que mede os sinais vitais e coleta diversos tipos de informações, e diversos atuadores que interagem com o sistema nervoso, além de interfaces com dispositivos externos. O iWear atraiu investimentos bilionários com a promessa de monitorar e cuidar da saúde de seus usuários, tanto no nível pessoal quanto social. 

Entretanto, uma fonte que atua na equipe de Inteligência Artificial (IA) da Vina Systems revelou à SBC Horizontes que a empresa ainda não tinha toda a tecnologia alegada ao divulgar o iWear para atrair investimentos. “O iWear foi apresentado como uma promessa de acoplar diferentes sistemas, humanos e técnicos, tanto de forma individual quanto coletiva. Isso permitiria uma infinidade de aplicações: de saber em tempo real a disseminação de uma nova epidemia até identificar fatores ambientais que estivessem influenciando na saúde física e mental da população. Porém, o projeto vinha sofrendo com atrasos, especialmente devido à necessidade de conhecimento especializado na área da saúde que é difícil de obter.” 

A fonte ainda complementou:

Não tenho dúvidas de que a Vina System conseguiu mais investimentos por causa de tecnologias e recursos que ela ainda não tinha desenvolvido. O problema é que atrasos no projeto e limitações não previstas acabaram comprometendo a entrega do iWear no prazo previsto, e cortes tiveram que ser realizados”.

Nossa fonte não entrou em detalhes sobre o que, especificamente, foi cortado no processo de desenvolvimento do iWear. Há suspeitas de que a Vina Systems tenha utilizado software e mão de obra terceirizada, que não estavam sujeitos aos alegados padrões de qualidade da companhia.

Outras suspeitas recaem sobre o uso de soluções de IA para produzir partes das especificações e do código do iWear. Durante a conversa com Todt, a reportagem perguntou se havia indícios de geração automática de código. O professor destacou que alguns trechos do código do iWear não pareciam ter sido escritos para uso em dispositivos embarcados e apresentavam complexidade desnecessária: “Não posso afirmar se há código gerado por um recurso como o chat gpt, porém, há indícios de que as restrições técnicas dos dispositivos e do seu contexto de uso não foram consideradas durante o projeto do sistema.“.

A SBC Horizontes continua acompanhando os desdobramentos do caso e trará mais informações em breve.

Jade Scobri, Jornalista Científica
Especialista em Tecnologias Computacionais

 


O Caso do Vestível Controlador © 2022 by Roberto Pereira, Fabiano Silva and Leticia Mara Peres is licensed under CC BY-NC-SA 4.0.