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Margaret Hamilton: Mãe Cientista na Liderança do Apollo 11

Margaret Hamilton: Mãe Cientista na Liderança do Apollo 11

Por Hariel Soares de Souza e Clevi Elena Rapkiewicz (Projeto ENIGMA – UFRGS)

Revisão: Alane Marie de Lima, Sílvia Amélia Bim
Edição: Alane Marie de Lima

Margaret Heafield Hamilton é uma cientista da computação, ainda que sua formação tenha sido em  Matemática. Ela foi e é uma cientista muito produtiva. Publicou inúmeros artigos e relatórios e esteve envolvida em mais de 50 projetos ao longo de sua carreira. Uma das formas de reconhecimento dessa incrível trajetória a levou a ser honrada em 2016 com a medalha Presidencial da Liberdade pelo ex-presidente Barack Obama (Estados Unidos). Na ocasião foi dado destaque ao trabalho de desenvolvimento do software de voo da Apollo 11 da NASA, mas certamente todo conhecimento adquirido anteriormente por ela contribuiu para o fato específico da Apolo 11. As descobertas não são insights momentâneos, ainda que pareçam. São construções ao longo do tempo, e, quase sempre, coletivas.

Escultura “A extensão de Margaret”, obra da artista Hariel SS (2020), autora deste texto

Margaret nasceu em Indiana em 17 de agosto do ano de 1936. Estudou Matemática no Earlham College no estado de Indiana (EUA) em 1958, e foi lá também que conheceu seu marido James Cox Hamilton, com o qual posteriormente teve uma filha chamada Lauren. Margaret fez pós-graduação em Meteorologia e lecionou matemática por alguns anos, para o ensino médio.

Nos anos 60, ela se mudou para Boston, Massachusetts, onde faria outra pós-graduação, dessa vez em matemática pura na Universidade Brandeis. Nessa época, ela trabalhou desenvolvendo programas de predição climatológica em computadores e depois para o projeto SAGE (Semi-Automatic Ground Environment), o primeiro sistema de defesa aéreo americano. Ela desenvolveu o código do software usado para identificar aeronaves inimigas. Vejam, pois, que antes da Apollo 11 ela foi aperfeiçoando seus conhecimentos, praticando e estudando.

Hamilton no Laboratório Lincoln no MIT em 1962, durante o desenvolvimento do software para o sistema SAGE. (Fonte: Margaret Hamilton)
Hamilton recebendo a Medalha Presidencial da Liberdade pelo presidente Barack Obama, dos Estados Unidos da América.
(Fonte: Cherys May/NurPhoto via Getty Images)

Foi então que ela se candidatou e começou a trabalhar no Laboratório de Instrumentação do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), onde veio a se tornar líder da equipe que atuava no projeto Apollo da NASA. Foi a primeira mulher responsável por essa função. O trabalho dela consistia, basicamente, em antecipar problemas que pudessem ocorrer (bugs) e criar soluções através de software.

Naquele tempo a área de software não recebia tanto investimento, era uma área emergente, e não havia cursos superiores sobre isso ainda. Mesmo Hamilton sendo a líder de uma equipe, ela não tinha muita visibilidade por causa de sua área de atuação. Não coincidentemente, era a área com mais mulheres!  Ela passou por algumas dificuldades com relação a isso e para tentar dar mais reconhecimento ao seu trabalho e legitimar a sua função e das várias mulheres atuante com software, ela se denominou Engenheira de Software. Em um tempo em que Engenharia de Hardware já existia e era uma área mais cobiçada e respeitada. Masculina, é claro.

Margaret Hamilton com o código que escreveu junto com sua equipe para o Apollo 11.(Fonte: MIT Museum)
Ilustração de Hariel SS

Durante esse período de trabalho na NASA, Margaret cuidava de sua filha (Lauren), que a acompanhava no trabalho quando não tinha com quem deixá-la. Note-se que, em suas entrevistas, Margaret não faz nenhuma menção de que alguma vez seu marido levou a filha ao trabalho, como ela fazia. Margaret conciliava duas atividades ao mesmo tempo; enquanto corrigia a programação do software e trabalhava, ela cuidava da filha dentro do ambiente de trabalho. Situação muito corriqueira na vida de mulheres, não é mesmo? Já naquela época (anos 60) ela lidava com a tal “Jornada Contínua” [2], esforço e sofrimento que, só hoje em dia, ganha reconhecimento e nome, substituindo o termo anterior de ‘dupla jornada’, com se uma jornada acabasse (profissional) e começasse outra (doméstica). Esse reconhecimento culmina em ações como por exemplo o Parent in Science, projeto pioneiro a analisar os efeitos da chegada dos filhos na carreira científica.

Ilustração de Dixie Leota

Após trabalhar na Apollo 11 Hamilton continuou na área de Engenharia de Software e passou a dedicar-se  a sua empresa, a Hamilton Technologies, que oferece serviços de engenharia de sistemas e softwares.

Margaret Hamilton trabalhando na equipe do laboratório Draper durante as missões Apollo. (Fonte: AFP/Getty Images.)

Margaret ultrapassou muitos estereótipos durante sua vida. Era Matemática e se tornou cientista da computação sendo mulher. Sua trajetória mostra a necessidade de mais mulheres nas ciências e a importância e impacto que isso terá no futuro.

Ilustração de Sci-Illustrate Stories

Às mulheres é atribuído o trabalho de cuidado, o setor de prestação de serviços e atendimento. Não importa qual área, para mulher, sempre há o papel de cuidadora, o trabalho reprodutivo [3] ou os empregos mais precários, emergentes, pouco conhecidos, funções secundárias ou subalternas dentro de uma instituição ou empresa. Os cargos de poder são reservados aos homens, os quais seguramente manterão/ consolidarão o poder dentro de ideais machistas contra a diversidade. Mesmo que, tais ideais, se mostrem cada vez menos vantajosos até em questões financeiras para as empresas [5]. Desde muito cedo somos ensinadas que nosso valor reside na aparência e que a inteligência é masculina. Que as características que nos cabem são as de: esforçada, caprichosa e simpática [1].

Margaret lidou não só com a questão da divisão sexual do trabalho, mas também com o acúmulo de funções: Margaret é mãe. Hoje, tendo muito mais conhecimento e estudos na área, podemos afirmar com base em relatórios, entrevistas e estimativas, que as mulheres mães cientistas são as que menos avançam na carreira (principalmente, se adicionarmos o recorte de raça a essa equação) dada a concepção de que mulheres são cuidadoras por natureza e a elas são incumbidos os trabalhos domésticos enquanto pouco tempo é reservado para que elas se dediquem as seus trabalhos e pesquisas. A divisão do trabalho prende as mulheres a função de cuidadoras não só por causa da pressão social, mas porque sabem que seus maridos pouco farão e que elas serão culpadas.

Além disso, dentro das próprias instituições, as cientistas que são mães vão enfrentar preconceitos; a falta de incentivos como parâmetros específicos para concessão de verbas para pesquisa as exclui cada vez mais do meio acadêmico.

Para todas mães trabalhadoras, lembremos da Margaret Hamilton, programadora da Apollo 11. Sua filha Lauren, ao precisar acompanhar a mãe no trabalho, acionou um erro. Colegas homens disseram que um astronauta experiente não provocaria aquele erro. Margaret ignorou as críticas, programou a correção. SEM tal correção a Apolo 11 não teria pousado na lua. O “bug da Lauren‘, como ficou conhecido, faz parte da história das mulheres na Computação que nós do ENIGMA contamos.

Sejamos todas Hamilton e possamos enxergar nos ‘bugs’ oportunidades para sonhar e concretizar idas a Lua e onde quisermos.


Referências:

[1] Barbosa, M. e Brito, C., (2020) “Mulheres nas ciências – Feminismos: algumas verdades inconvenientes”, série de vídeos, (50 min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=euEsauJ4HcA&list=PL9-BJ9guBp_I9Riu-oAJfXJ4YcKmNOCnP;

[2] Corrêa, Renata, (2020) “Na pandemia, a crise doméstica provocada pela carga mental ficou ainda mais evidente”, Revista Marie-Claire, Disponivel em: https://revistamarieclaire.globo.com/Comportamento/noticia/2020/07/na-pandemia-crise-domestica-provocada-pela-carga-mental-ficou-ainda-mais-evidente.html;

[3] Federici, S., (2019) “O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista”, Tradução: coletivo Sycorax. São Paulo: Elefante.

[4] Gabird, (2018), “Biografia Margaret Hamilton”, Disponível em: https://www.deviante.com.br/noticias/ciencia/biografia-margaret-hamilton/;

[5] Goldenberg, Margareth, (2020) “Mulheres  no mundo dos negócios – Feminismos: algumas verdades inconvenientes”, série de vídeos, (50 min). Disponível em: https://youtu.be/MTnkjyHVNrg?list=PL9-BJ9guBp_I9Riu-oAJfXJ4YcKmNOCnP.


Sobre as autoras:

Hariel de Souza
Graduanda em Artes Visuais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), bolsista de Iniciação à Popularização da Ciência (BIPOP) no Projeto ENIGMA/UFRGS.

 

 

 

Clevi Rapkiewicz
Duplamente graduada em Processamento de Dados e Pedagogia. Mestra e Doutora em Engenharia de Sistema e Computação no Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia (COPPE/ UFRJ). Professora no Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (CAP/UFRGS). Coordenadora do Projeto ENIGMA/UFRGS).


Sobre o Projeto ENIGMA:

“O projeto Enigma busca tornar visível o papel feminino na área da computação, resgatando as contribuições significativas de algumas mulheres de uma forma diferenciada, que provoque o pensamento do fruidor. Não pretende-se reproduzir as visibilidades que estas personagens já têm, mas fazer uma provocação, desacomodando o pensamento para que as invisibilidades, que ainda persistem, se tornem visíveis.”


Como citar este artigo

SOUZA, Hariel S.; RAPKIEWICZ, Clevi E. Margaret Hamilton: mãe cientista na liderança do Apollo 11. SBC Horizontes, maio. 2021. ISSN 2175-9235. Disponível em: <http://horizontes.sbc.org.br/index.php/2021/05/margaret-hamilton:-mae-cientista-na-lideranca-do-apollo-11/>. Acesso em: DD mês. AAAA.

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