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Projeto do “Vestível Controlador” negligenciou a experiência do usuário


por Jade Scobri
| Curitiba, Brasil

No último final de semana, a SBC Horizontes recebeu mais informações sobre outros problemas no projeto do iWear que podem ter influenciado na sua falha. 

Desta vez, a fonte forneceu registros de troca de emails entre Eliza Ventura e Hélio Musk, e copiados para toda a equipe do projeto, que mostrava a preocupação de Ventura com problemas na interface do iWear. 

Segundo as mensagens fornecidas, Eliza tinha muita preocupação com a Experiência do Usuário (UX, do inglês User eXperience), pois se tratava do projeto de um sistema vestível, composto de diferentes dispositivos, que seria utilizado por uma grande variedade de pessoas, em uma ampla variedade de contextos, o que tornava muito difícil antecipar e lidar com todas as possíveis situações de uso. A reportagem pesquisou sobre o termo: de acordo com a norma ISO 9241-210, UX se refere às percepções e respostas do usuário que resultam do uso e/ou uso antecipado de um sistema, produto ou serviço. 

Desde o início do projeto, Eliza reivindicava recursos para a contratação de profissionais que pensassem na UX do dispositivo. Em um dos email, Eliza chega a citar Brenda Laurel, pioneira no uso do termo UX: “Desde a década de 80 Laurel já ensinava que nenhum produto é uma ilha, que nenhum produto funciona isolado, sem outros produtos, sem pessoas, sem um contexto de uso. Um produto é um conjunto coeso e integrado de experiências. E nós estamos aqui, no século XXI, projetando um dispositivo vestível para a saúde das pessoas e negligenciando a UX. Digo e volto a repetir: depois que o produto estiver construído não adianta começar a se preocupar com a qualidade de uso dele. Aí já será tarde demais! Isso pode custar vidas!

Os emails mostram diversas solicitações de Eliza e alertas para problemas que poderiam ser gerados pela falta de atenção à UX. Em outro email, ela levanta questionamentos sobre a obrigatoriedade da interação baseada em voz para configurar o sistema, indicando possíveis impactos na usabilidade e acessibilidade do produto, além de impactos na privacidade dos usuários. “Essas questões deveriam ter sido pensadas quando o produto estava sendo concebido, e não agora que temos que implementá-lo. A equipe está tomando decisões na hora de implementar, e isso é abrir a porta para a tragédia”, argumentou na época. 

E-mail em que Elisa Ventura questiona decisões de projeto do iWear

Nossa fonte comentou que nenhuma avaliação formal da experiência do usuário foi realizada. “A equipe executou testes funcionais e verificou se as histórias de usuário foram atendidas. Não houve um teste de usabilidade ou uma avaliação de acessibilidade, por exemplo.” 

Questionada pela SBC Horizontes sobre possíveis problemas que os usuários poderiam enfrentar, a fonte destacou: “Usuários que não tenham muita experiência com vestíveis e com interação baseada em voz podem experimentar alguns problemas. Uma das dificuldades que eu vejo é a pessoa saber, a priori, as possibilidades de interação por voz e os comandos que pode utilizar. Sotaque carregado e interação em ambientes ruidosos também podem dificultar a vida do usuário, então é preciso instruir para que o usuário aprenda como utilizar o sistema.

A reportagem procurou a Professora Natasha Valentim, da UFPR, doutora especializada em UX. A Professora confirma a necessidade de se pensar, projetar e avaliar a UX desde o início de um processo pois, segundo ela, o entendimento da experiência do usuário influencia muito no entendimento do problema e da solução que precisa ser construída. 

Natasha explicou à reportagem: “um produto deve fornecer experiências significativas e relevantes aos usuários. Produtos que proporcionam uma ótima experiência ao usuário são projetados não apenas com o consumo ou uso do produto em mente, mas também considerando o que vem antes e depois: da aquisição e compra, até a solução de problemas e substituição. Quando trabalhamos com a UX, nós não nos concentramos apenas na criação de produtos usáveis, mas também em outros aspectos da experiência do usuário, como prazer, segurança, eficiência e diversão, por exemplo. Ou seja, não existe uma definição única para uma boa experiência do usuário: uma boa UX é aquela que atende às necessidades e expectativas de um usuário específico, para propósitos específicos, no contexto específico em que ele usa o produto.

Natasha comentou ainda que avaliações da UX, da usabilidade, acessibilidade e comunicabilidade do produto deveriam ter sido conduzidas. E ela reforçou as preocupações de Eliza Ventura sobre a consideração da UX desde o início do processo.

Quando você já está construindo o produto, ou já tem o produto pronto, então o que você pode fazer são avaliações diagnósticas que ajudam a antecipar problemas e melhorar o produto. Porém, sempre pode haver problemas não antecipados que afetarão a experiência do usuário e que custarão muito para serem corrigidos, ou nem poderão ser.

E complementou: “Quando você está entendendo o problema e concebendo a solução, você deve considerar o ‘porquê’, ‘o quê’ e ‘como’ do uso do produto. O ‘Porquê’ envolve as motivações dos usuários para a adoção de um produto, seja por causa de tarefas que eles desejam realizar, valores e visões que os usuários associam à propriedade e uso daquele produto. O ‘O quê’ aborda as coisas que as pessoas podem fazer com um produto, ou seja, a sua funcionalidade. E o ‘Como’ tem a ver com o design da funcionalidade de forma acessível e esteticamente agradável. É preciso começar com o ‘porquê’ antes de determinar ‘o quê’ e, finalmente, o ‘como’, para criar produtos com os quais os usuários possam formar experiências significativas”.

Como revelado pela SBC Horizontes, a interface de configuração do iWear permite que o usuário escolha entre três opções referentes ao gênero: masculino, feminino, ou outro / prefiro não informar. Porém, quando a terceira opção era escolhida pelo usuário ou automaticamente selecionada pelo assistente de configuração, essa configuração resultava em problemas de execução do código. 

Natasha destaca haver vários problemas de UX nesse caso: “Perceba que há problemas de UX em diferentes pontos. O usuário enfrenta dificuldades para configurar o dispositivo via comando de voz e para saber os resultados dessa configuração; o sistema não trata todas as possibilidades oferecidas ao usuário; o usuário não tem como saber o que ele pode ou não fazer para usar o sistema. E quando a falha ocorre, o dispositivo atua diretamente sobre o usuário, paralisando suas funções motoras. Isso é inaceitável do ponto de vista técnico, legal e ético.

A SBC Horizontes procurou a diretoria da Vina Systems para se manifestar sobre essas novas informações. A Diretoria informou que todos os processos da Vina Systems seguem os mais altos padrões de qualidade internacionais e, que, embora seu processo e seu controle de qualidade sejam de altíssimo nível, não é possível garantir que um sistema será livre de falhas ou de erros operacionais humanos.

Jade Scobri, Jornalista Científica
Especialista em Tecnologias Computacionais

 


O Caso do Vestível Controlador © 2022 by Roberto Pereira, Fabiano Silva and Leticia Mara Peres is licensed under CC BY-NC-SA 4.0.