Pesquisadoras brasileiras: a trajetória de Rachel Carlos Duque Reis na Educação em Computação

Pesquisadoras brasileiras: a trajetória de Rachel Carlos Duque Reis na Educação em Computação
Por Raquel de Oliveira
Revisão: Prof. Alane Marie de Lima (DAINF/UTFPR-CT) e Prof. Marco Aurélio Graciotto Silva (DACOM/UTFPR-CM)

Esse texto foi produzido no contexto do projeto “Emíli@s – bits de representatividade: participação feminina falante e atuante na Computação” da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), campus Campo Mourão, em entrevista concedida pela pesquisadora em destaque nesta matéria.

 

Nascida em Belo Horizonte e criada em Januária, no interior de Minas Gerais, Rachel Carlos Duque Reis demonstrou desde cedo um forte interesse pelos estudos. Esse interesse fez com que sua mãe e seu avô materno decidissem investir em sua educação, possibilitando que Rachel estudasse em boas escolas da região até o ensino médio. Na escola, Rachel era conhecida por ser uma boa aluna que sempre se destacava em competições matemáticas. Essa afinidade pela matéria foi um dos fatores que Rachel utilizou para escolher seu curso de graduação enquanto se preparava para os vestibulares no cursinho. A escolha pela área de Computação foi como um “tiro no escuro”, como a mesma relata, baseada na afinidade de Rachel pela matemática e pelo fato de o curso não fazer parte das engenharias, área que ela já sabia que não despertava seu interesse. Foi assim que, em 1997, aos 20 anos, ela foi aprovada na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) de Belo Horizonte e, posteriormente, na Universidade Federal de Viçosa (UFV) – campus Viçosa, onde realizou sua graduação em Ciência da Computação.

Ao ingressar na universidade, Rachel se deparou com muitas novidades e desafios, já que nunca havia tido contato com um computador. Nas primeiras aulas práticas de programação, ela precisou aprender até as tarefas mais básicas, como inserir um disquete e ligar a máquina. A transição do ensino médio, onde era vista como uma aluna brilhante em Matemática, para a Universidade, onde até o básico era novo para ela, teve um grande impacto em sua vida. Ela logo percebeu o nível de dedicação que essa nova fase exigiria. Em sua turma, havia apenas três mulheres entre trinta alunos, e elas se apoiaram mutuamente ao longo do curso. Rachel recorria aos seus colegas de classe nos momentos de dificuldade, além de passar horas estudando na biblioteca da faculdade. A paixão pela Computação aplicada à Educação iniciou-se durante uma iniciação científica que Rachel realizou na UFV, onde desenvolveu um software educacional para atender crianças da APAE com problemas na alfabetização. Essa experiência se transformou em seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) e continuou como um projeto contínuo na instituição.

Após a graduação, Rachel decidiu tentar o mestrado. Pensando em ir para a área da Informática na Educação, Rachel aplicou para o Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), mas acabou sendo selecionada para o Departamento de Engenharia Elétrica. No departamento, sua pesquisa na área de Inteligência Artificial se concentrou no desenvolvimento de uma técnica baseada em ontologia para melhorar os sistemas de recuperação de informação. Apesar de encontrar um orientador extremamente exigente, ela perseverou e completou o mestrado em dois anos, pensando nas oportunidades que poderiam chegar devido a essa conquista. Após sua experiência com o mestrado, Rachel decidiu ingressar no mercado de trabalho logo após a defesa. Seu primeiro emprego foi como analista de sistemas júnior no Instituto de Pesquisa Eldorado, em Campinas. A empresa, que tinha a Motorola como principal cliente, permitiu que Rachel adquirisse uma valiosa experiência em desenvolvimento e teste de software e tivesse a oportunidade de trabalhar com uma equipe formada por pessoas de diversos países. Uma de suas conquistas mais notáveis dentro da empresa foi identificar um erro crítico que poderia ter levado ao recall de vários celulares que iriam para o mercado. Esse feito lhe rendeu um prêmio da empresa e agradecimentos do gerente da Motorola dos Estados Unidos, assim como fez com que Rachel percebesse o impacto e a dimensão do seu trabalho no mundo real. Essa experiência de trabalho foi muito interessante para Rachel, pois ela sentiu que finalmente pôde colocar em prática o que havia aprendido na universidade.

Durante seu tempo no Instituto de Pesquisas Eldorado, Rachel e os outros funcionários foram incentivados a obter certificações, visando uma melhor capacitação dos mesmos. Após obter a primeira certificação Java, junto com a sua equipe, Rachel foi convidada por faculdades particulares em Campinas para ministrar aulas de programação. Foi nesse período que ela redescobriu seu amor pela docência. Isso a levou a prestar concurso para ser professora na UFV – campus Rio Paranaíba, onde lecionou por quatro anos antes de iniciar sua formação no doutorado, saindo de licença total remunerada da UFV para o Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação  (ICMC) da Universidade de São Paulo (USP) – campus São Carlos.

Diferente da época do seu mestrado, a escolha da Rachel pelo doutorado foi feita de forma consciente. Dessa vez, ela sabia exatamente o que queria fazer e qual professor tinha interesse em ter como orientador. Assim, em 2014, Rachel iniciou seu doutorado sob a orientação do professor Dr. Seiji Isotani da USP [1], especialista nas áreas de Informática na Educação e Inteligência Artificial aplicada à Educação. Durante o doutorado, Rachel desenvolveu sua pesquisa na área de Aprendizagem Colaborativa com Suporte Computacional, focando especificamente na formação de grupos de aprendizagem levando em  consideração os traços de personalidade dos alunos. Apesar de todos os desafios, o período do doutorado foi muito mais prazeroso para Rachel. Além de atuar em uma área que gostava, a licença total da UFV permitiu que ela se dedicasse integralmente aos estudos e ainda aproveitasse o tempo livre para cuidar da vida pessoal.

No final de 2016, Rachel teve a oportunidade de realizar o doutorado sanduíche na Universidade de Stanford (EUA), uma experiência que ampliou ainda mais seus horizontes acadêmicos e pessoais, e que ela recomenda a todos. O processo de aplicação foi impulsionado pelo desejo que a professora tinha de explorar o mundo e pelo sonho de infância de ser poliglota. Enquanto estava na USP, Rachel procurou por pesquisadores que trabalhassem com Informática aplicada à Educação e Computação Afetiva, participando de vários editais. Um desses editais, da Fundação Lemann, oferecia uma bolsa de três meses, possibilitando sua ida para a Universidade de Stanford, na Califórnia. Seu supervisor foi o professor Dr. Paulo Blikstein [2], que atuava no Departamento de Educação e tinha como uma de suas linhas de pesquisa a Computação aplicada à Educação. Nesse período, Rachel teve a oportunidade de interagir com o grupo de pesquisa do professor Paulo e utilizar seu laboratório, ressaltando a excelente estrutura da Universidade e a maneira eficaz como coordenavam a pesquisa. Uma característica notável do ambiente de pesquisa na Universidade de Stanford, que Rachel destacou, foi o suporte abrangente oferecido aos pesquisadores. Por exemplo, para o desenvolvimento de pesquisas aplicadas em contextos reais de aprendizagem, havia professores especializados que ajudavam em diversos pontos da pesquisa, desde a preparação do experimento até a análise estatística dos dados. Rachel observou que, enquanto as pesquisas no Brasil são de alta qualidade, a disponibilidade desse tipo de suporte em todas as etapas do processo na Universidade de Stanford facilitava significativamente o trabalho dos alunos.

Doutorado Sanduiche – Universidade de Stanford

Com o término do seu doutorado, Rachel retornou para a UFV, porém sentiu que a Universidade e a cidade de Rio Paranaíba não atendiam mais às suas expectativas em relação à nova fase de sua vida. Junto com seu esposo, ela decidiu buscar por universidades com programas de pós-graduação em cidades com mais infraestrutura e opções de lazer.  Durante esse período, a Universidade Federal do Paraná (UFPR) abriu um concurso na área de Informática na Educação para a cidade de Curitiba. Após a sua aprovação no concurso, Rachel foi redistribuída da UFV para a UFPR onde leciona, atualmente, as disciplinas de Paradigmas de Programação e Introdução à Computação [3]. Rachel admite que equilibrar a vida pessoal e profissional é um desafio contínuo e ressalta a importância de sempre buscar esse equilíbrio

Por várias vezes, já precisei abrir mão de minha vida pessoal pela minha carreira, mas hoje busco encontrar esse equilíbrio. Acredito que não podemos deixar de lado nossa vida pessoal, seja para realizar atividade física, viagens, descansar… do contrário, a conta chega muito alta.

Defesa do doutorado, na USP

Na UFPR, Rachel faz parte do corpo docente do Departamento de Informática, dos quais apenas oito são mulheres. Apesar de ser um corpo docente predominantemente masculino, ela nunca teve problemas, embora muitas vezes se sinta cobrada (por si mesma) em demonstrar seu potencial.  No entanto, a comunidade acolhedora da UFPR tem ajudado a suavizar essa cobrança.

Iniciativas e pesquisas em educação e gênero

Enquanto estava na UFV, uma aluna do curso de Sistemas de Informação procurou Rachel, após participar do fórum Meninas Digitais da SBC (edição 2011), para desenvolver uma iniciativa na Universidade que incentivasse a participação de mais mulheres na computação. Isso resultou na criação da iniciativa Meninas++, em 2012 [4].

Apresentação do Meninas++ no Fórum Meninas Digitais

 

Meninas++ na UFV

A experiência foi tão bem-sucedida que, após ingressar como docente no Departamento de Informática da UFPR, Rachel e duas alunas do curso de Informática Biomédica fundaram em 2023 a iniciativa concat(Gurias). A iniciativa tem como objetivo aumentar a representatividade feminina nos cursos de computação da UFPR, bem como reduzir a evasão das alunas já matriculadas nesses cursos. Para isso, Rachel cadastrou um projeto de extensão na UFPR com a proposta de registrar a iniciativa e realizar diversas ações tanto internas quanto externas à Universidade para despertar o interesse de meninas pela área de Computação.  O projeto também inclui  atividades de pesquisa para entender os motivos que impedem as mulheres de se interessarem pela área. Além de coordenar um projeto de extensão, Rachel também atua no Programa de Pós-Graduação em Informática da UFPR, orientando pesquisas voltadas a questões de gênero na área de Tecnologia da Informação, além de desenvolver pesquisas na área de Informática na Educação e Educação em Computação.

Lançamento da iniciativa concat(Gurias) – Departamento de Informática da UFPR

 

Equipe concat(Gurias) 2024 – UFPR

Rachel relatou que, desde a criação da iniciativa na UFV, a presença da iniciativa Meninas++ em escolas de ensino médio tem aumentado o interesse de alunas pelo curso de Computação. Ela ressalta que algumas dessas alunas ingressaram no curso de Sistemas de Informação da UFV e se juntaram à equipe do Meninas++. Na UFPR, apesar de existirem  muitas oportunidades remuneradas para os estudantes, algumas alunas têm atuado como voluntárias na iniciativa concat(Gurias). Atualmente, a equipe é formada por seis alunas, sendo quatro do curso de Ciência da Computação e duas do curso de Informática Biomédica. Rachel destaca a importância de incluir os meninos no desenvolvimento das ações, pois o apoio deles é crucial para a sustentabilidade da iniciativa, especialmente considerando que o número de meninas nos cursos de computação é significativamente menor. Para as meninas que desejam entrar na área da Computação, Rachel deixa as seguintes palavras:

Se vocês têm interesse em seguir carreira na área de Computação, vão em frente. Lembrem-se que algumas lutas podem ser solitárias e desafiadoras. No entanto, não desistam porque vai valer a pena. Passei por isso em vários momentos da minha vida e aqui estou. O mais importante é: se você não sabe o que fazer, siga a lei da física, “mantenha-se em movimento”. Se você continuar se esforçando, isso retornará de alguma forma para você.


Referências:

[1] USP. Seiji Otani. Portal institucional da Universidade de São Paulo, 2024. Disponível em <https://sites.icmc.usp.br/sisotani/>. Acesso em: 05 de julho de 2024.

[2] LEMMAN CENTER. Paulo Blikstein. Portal da Universidade de Stanford, 2024. Disponível em <https://lemanncenter.stanford.edu/people/paulo-blikstein>. Acesso em: 05 de julho de 2024.

[3] LATTES. Rachel Carlos Duque Reis. Currículo Lattes – CNPq, 2024. Disponível em <http://lattes.cnpq.br/5006074852436835>. Acesso em: 05 de julho de 2024.

[4] INSTAGRAM. Meninas++. Perfil do Projeto Meninas++, 2024. Disponível em <https://www.instagram.com/meninasmaismais_ufv/>. Acesso em: 05 de julho de 2024.

[5] INSTAGRAM. concat(gurias). Perfil do Projeto concat(gurias), 2024. Disponível em <https://www.instagram.com/concat.gurias/>. Acesso em: 05 de julho de 2024.

 


Sobre a autora

Raquel de Oliveira
Bacharelanda em Ciência da Computação na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), com interesse em Ciência de Dados e Inteligência Artificial.

 

 

 

Sobre o Projeto Emíli@s – bits de representatividade

Somos o projeto “Emíli@s- bits de representatividade : participação feminina falante e atuante em Computação”, um grupo de estudantes e professores do curso de Ciência da Computação da UTFPR, campus Campo Mourão.

Inspiradas em nossa irmã “Emíli@s: Armação em Bits” da UTFPR campus Curitiba, nascemos com o objetivo de promover a participação ativa e o incentivo a permanência de meninas e mulheres na área de tecnologia para promover a igualdade de oportunidades nesse setor.

 


Como citar este artigo

DE OLIVEIRA, Raquel. Pesquisadoras brasileiras: a trajetória de Rachel Carlos Duque Reis na Educação em Computação. SBC Horizontes, julho. 2024. ISSN 2175-9235. Disponível em: <http://horizontes.sbc.org.br/index.php/2024/07/pesquisadoras-brasileiras-a-trajetoria-de-rachel-carlos-duque-reis-na-educacao-em-computacao>. Acesso em: DD mês. AAAA.

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