Annie Easley: legado de ciência e luta, da Terra ao espaço
Por Alane Marie de Lima
Revisão: Alane Marie de Lima, Heloise Acco, Sílvia Amélia Bim
Edição: Alane Marie de Lima
Texto produzido em celebração ao Dia das Meninas e Mulheres na Ciência, comemorado internacionalmente e anualmente no dia 11/02, data instituída em 2015 pela ONU e UNESCO.
Nada jamais foi dado às minorias ou às mulheres. Foi necessário lutar para conseguir oportunidades iguais, e continuamos lutando hoje em dia.
Annie Easley
Quando observamos os diversos avanços na tecnologia espacial nos deparamos com nomes de bilionários idolatrados por uma legião de fãs, mas muitas vezes não paramos para refletir nas pessoas que deram o pontapé inicial para que tais avanços se concretizassem. Uma dessas pessoas, desenvolvedora de um dos primeiros programas de computador de navegação espacial, teve diversas contribuições não apenas no espaço como também na Terra: Annie Easley, uma brilhante matemática, programadora, cientista de foguetes e ativista por oportunidades iguais para pessoas negras, mulheres e minorias.
Annie Jean Easley nasceu na cidade de Birmingham (estado do Alabama, Estados Unidos), em 23 de abril de 1933. Ela e seu irmão, seis anos mais velho, foram criados pela mãe solteira, e desde jovem Annie foi incentivada por ela a se dedicar naquilo que quisesse. Por ser estudiosa e comunicativa, no ensino médio graduou-se como oradora da turma. Apesar do apoio de sua mãe e por viver em uma sociedade que apresentava poucas perspectivas de futuro para pessoas negras, especialmente mulheres, Annie acreditava que suas únicas possibilidades de carreira seriam o ensino e a enfermagem, optando pela segunda alternativa. No entanto, no ensino médio Annie começou a se interessar por Farmácia, ingressando em tal curso na Xavier University em Nova Orleans (estado de Louisiana, Estados Unidos), no ano de 1950 [1].
Annie casou-se em 1954 com um homem do serviço militar estadunidense e mudou-se novamente para sua cidade natal, uma região localizada no sul dos Estados Unidos, altamente marcada por segregação racial instituída nas leis regionais e locais de Jim Crow. Como parte da política segregacionista, tais leis diziam que pessoas negras deveriam se submeter a testes de alfabetização antes de votar. Sempre inteligente e comunicativa, Annie ajudava e ensinava pessoas para que elas pudessem se preparar e passar nesses testes, como foram preparados com o intuito de excluir pessoas negras do direito ao voto [1, 2, 3].
No mesmo ano, Annie mudou-se para Cleveland (estado de Ohio, Estados Unidos) para ficar perto da família de seu marido, pois ele havia sido dispensado do serviço militar. O único curso de Farmácia na região havia sido fechado, o que impediu que Annie prosseguisse com os estudos nessa área, mas seu interesse por conhecimento continuava aberto para oportunidades. Até meados de 1955, Annie nunca havia ouvido falar da agência NACA (Comitê Nacional para Aconselhamento sobre Aeronáutico) — que depois viria se tornar a NASA (Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço) —, até ler um artigo sobre irmãs gêmeas que lá trabalhavam como computadores humanos [5]. Esta equipe realizava cálculos complexos e análise de problemas manualmente, o que logo chamou a atenção de Annie e fez com que se candidatasse para o cargo. Tão logo iniciou uma trajetória, que se estenderia por 34 anos, na divisão Lewis Research Center (hoje nomeada John H. Glenn Research Center), um centro de pesquisa da NACA dedicado ao desenvolvimento de naves e artefatos espaciais. Aproximadamente 2500 pessoas trabalhavam no centro, sendo apenas quatro delas negras. Easley foi a única mulher dentre estas quatro pessoas [2, 5].
O trabalho antes realizado por pessoas que eram computadores humanos começou a ser gradativamente substituído por máquinas. Para que pudesse continuar atuando em sua função, Annie estudou programação de computadores, contribuindo no desenvolvimento de um dos primeiros softwares de navegação espacial, este utilizado no Projeto Centauro [5]. Tal projeto possibilitou o lançamento de sondas e satélites ao espaço, obtendo sucesso inicialmente em 1963, ocorrido no contexto da corrida espacial EUA x Rússia, sendo até hoje considerada uma das pesquisas mais importantes da NASA já feitas [2].
A década de 70 foi marcante para a vida de Annie em vários sentidos. Foi nessa época que Easley retornou para a universidade, entrando no curso de Matemática da Cleveland State University, formando-se bacharel em 1977 [4]. Destaca-se que dedicou-se à conclusão de seu curso enquanto realizava seu trabalho e pesquisas na NACA. Foi nessa época que Annie voltava seu olhar a problemas na Terra, visto que nosso planeta passava por uma crise energética. Annie desenvolveu importantes pesquisas sobre fontes de energia alternativas, como a eólica e a solar, baterias elétricas (que hoje são a base de veículos híbridos), além de desenvolver software para medir ventos solares [2].
Não contente em buscar apenas alternativas para a crise energética, Annie buscou também formas de sanar a desigualdade de oportunidades no emprego e na educação: lecionava em escolas, orientando crianças de áreas pobres que haviam abandonado a escola; representava a NASA em escolas e universidades, atuando como palestrante e tutora sobre oportunidades de carreira na área de STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática), especialmente para mulheres e minorias; e era conselheira sobre oportunidades iguais no Lewis Research Center, atuando contra a discriminação e investigando queixas relacionadas. Além disso, foi a primeira mulher presidente do clube de esqui da NASA [1,2].
Annie faleceu aos 78 anos no dia 25 de junho de 2011 [3]. Seus colegas de trabalho a descreviam como uma pessoa que amava a vida e que encorajava muito as pessoas a crescerem. Admirava e incentivava o trabalho em equipe, era disciplinada, generosa e ousada. Transparece essa ousadia ao ser a primeira mulher a vestir calças no Lewis Research Center, junto com sua supervisora, uma atitude corajosa em uma época onde a mulher tinha restrições até na forma de se vestir [5].
Annie Easley dizia que não se propunha a ser um exemplo a ser seguido, mas partiu deste mundo para além das dimensões espaciais sendo pioneira em muitos de seus feitos e deixando um legado de inspiração e luta, muito mais do que poderia imaginar.
Referências:
[1] Dia do Astronauta: Annie Easley, cientista que estudou a energia solar e eólica! Redação Mulheres na Ciência, 2019. Disponível em https://ceert.org.br/noticias/genero-mulher/26098/dia-do-astronauta-annie-easley-cientista-que-estudou-a-energia-solar-e-eolica. Acesso em: 07 fev. 2022.
[2] IGNOTOFSKY, Rachel. As cientistas: 50 mulheres que mudaram o mundo. Editora Blucher, 2017.
[3] CARPENTER, Jana. ANNIE J. EASLEY (1933-2011). Black Past, 2020. Disponível em https://www.blackpast.org/african-american-history/annie-j-easley-1933-2011/. Acesso em: 07 jan. 2022.
[4] SPANGENBURG, Ray; MOSER, Diane; LONG, Douglas. African Americans in Science, Math, and Invention. Infobase Publishing, 2003.
[5] MILLS, Anne K. Annie Easley, Computer Scientist. National Aeronautics and Space Administration, 2017. Disponível em https://www.nasa.gov/feature/annie-easley-computer-scientist. Acesso em: 07 jan. 2022.
Sobre a autora:
Alane Marie de Lima
Professora adjunta na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) – campus Curitiba, atua na área de Computação Teórica. Bacharel em Ciência da Computação pela Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (UNICENTRO), Mestre em Informática pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), e Doutora em Ciência da Computação pela UFPR. Suas áreas de interesse são Algoritmos e Teoria dos Grafos, Análise e Complexidade de Algoritmos, Algoritmos Aleatorizados e Design de Algoritmos utilizando Complexidade de Amostra.
Como citar este artigo
LIMA, Alane M. Annie Easley: legado de ciência e luta, da Terra ao espaço. SBC Horizontes, fev. 2022. ISSN 2175-9235. Disponível em: http://horizontes.sbc.org.br/index.php/2022/02/annie-easley:-legado-de-ciencia-e-luta,-da-terra-ao-espaco . Acesso em: DD mês. AAAA.