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Um Panorama da Presença Feminina no DCC/UFMG e Estereótipos de Gênero

Um Panorama da Presença Feminina no DCC/UFMG e Estereótipos de Gênero

por Pâmela Carvalho e Mirella M. Moro

Na área de computação, dados recentes do INEP revelam que a média de mulheres em cursos superiores de computação não alcança 14%. No Departamento de Ciência da Computação (DCC) da Universidade Federal de Minas de Gerais (UFMG), a realidade não é diferente. No primeiro semestre de 2018, dos 748 alunos matriculados em algum dos três cursos de graduação do departamento (Ciência da Computação, Sistemas de Informação, Matemática Computacional), apenas 132 (17,64%) são mulheres, e os números se mantêm para os professores do departamento (8 mulheres em um corpo docente de 72 pessoas). Neste artigo, exclusivo para a SBC Horizontes, divulgamos os resultados de uma pesquisa realizada através de um questionário para estudantes de graduação e pós, com o objetivo fazer um panorama por gênero da presença feminina no DCC.

Iniciamos nossa pesquisa estudando textos que abordam gênero, estereótipos, presença feminina na ciência, papel e importância da mulher na sociedade para entender melhor os fatores históricos, culturais e sociais que tiveram como consequência a baixa presença feminina na área da computação a fim de elaborar questões pertinentes para nossos estudantes. 

Após, realizamos à pesquisa com discentes do DCC através de um questionário organizado resumidamente em: (1) características gerais (curso, idade e gênero – Feminino, Masculino, Prefiro não informar); (2) perguntas iguais para ambos gêneros; e (3) perguntas apenas para gênero feminino. A seção 2 foi necessária para comparar respostas de homens e mulheres, e confirmar a existência das diferenças que os estereótipos causam. A seção 3 visava conhecer dificuldades, preconceitos e situações negativas delas na área da computação.

Principais Resultados

Foram obtidas 158 respostas válidas, dentre elas: 105 pessoas com o gênero masculino, 51 pessoas com o gênero feminino, e 2 pessoas que não preferiram não informar o gênero. Para as características gerais, a Figura 1 apresenta as divisões por curso e por idade.

Figura 1. Divisão por curso e por idade de estudantes que responderam ao questionário.

Inicialmente, perguntou-se: “O que despertou seu interesse na computação?”. Para as mulheres, o primeiro colocado é o interesse pela a matemática, o que já contraria o estereótipo de que “mulheres não gostam e/ou não sabem matemática”; já para os homens, o primeiro colocado é o desenvolvimento de software e no segundo o interesse pela matemática, conforme Tabela 1.

Tabela 1. O que despertou o interesse pela Computação ranqueado por gênero para itens com mais de uma seleção (# número absoluto de pessoas que selecionaram a opção, % porcentagem de pessoas daquele gênero que selecionaram a opção).

Essa era uma questão que tinha algumas opções para selecionar, mas estudantes poderiam acrescentar outros motivos. Interessante observar que as opções com apenas uma seleção são bem diferentes entre os gêneros. Para as estudantes, tais opções são: escolha aleatória, gama de áreas de atuações possíveis, infraestrutura e redes, interesse relacionado às matérias de administração, já trabalhava na área, técnico em informática, robótica. 

Para os estudantes, tais opções são mais amplas e diversificadas: computação teórica, contato com tecnologia desde cedo, curso técnico escolhido por acaso, interesse por soluções sociais, interesse pela organização da informação, interesse por pesquisa básica, interseção entre minha área de origem e à computação, programação competitiva, segurança digital.

Para a pergunta “Antes de escolher a área da computação, você teve alguma das dúvidas abaixo?”, a maioria das meninas se preocupa em se é necessário ter conhecimentos prévios sobre tecnologias ou linguagens, e sobre o que irá aprender no curso. Para os meninos, a ordem é inversa. A opção se vão conseguir acompanhar o andamento do curso ficou em terceiro lugar para elas e em quinto para eles. Apenas uma menina não teve dúvidas, enquanto oito meninos afirmaram não ter tido dúvidas, conforme relatado na Tabela 2.

Tabela 2. Dúvidas antes de escolher a Computação.

Com o intuito de investigar a síndrome da(o) impostora(r) – veja quadro a seguir, que é recorrente em mulheres. Perguntou-se: “Se há uma vaga de estágio ou emprego que possui 10 requisitos como necessários, você se candidata se tiver quantos deles?”. Pelos gráficos da Figura 2, a maioria das mulheres (56,9%) só se candidatam se tiver no mínimo 8 requisitos, enquanto a maioria dos homens (47,7%) se candidatam se já tiverem no mínimo 6 requisitos. Interessante notar que menos mulheres se candidatam se tiverem 1-5 requisitos, enquanto mais só se tiverem os 10; ambos quando comparados aos homens.

Figura 2.Escolhas para a questão: Se há uma vaga de estágio ou emprego que possui 10 requisitos como necessários, você se candidata se tiver quantos deles?

Quadro: Síndrome da(o) Impostora(r)

Esse termo é usado para designar uma experiência interna de dúvida intelectual (CLANCE, 1978), ou seja, a pessoa duvida de suas próprias competências e geralmente não consegue aceitar e admitir suas conquistas. Essa síndrome se manifesta no contexto em que quando há uma vaga de estágio/emprego, as mulheres só se candidatam se tiver a maioria dos requisitos pedidos, já os homens tendem a se candidatar se já tiverem metade dos requisitos pedidos. 

Baixa presença feminina na área de computação

Para a questão “Você acha que exista algum motivo social que se relaciona com a baixa presença feminina na área de computação?”, 100% das mulheres disseram que sim; já 16,8% dos homens não têm essa opinião ou nunca pensaram a respeito.

Para a questão “Quais motivos você apontaria para o ingresso pouco expressivo da mulher em cursos na área de computação?”, tanto homens quanto mulheres concordam com os três principais motivos: estereótipos criados desde à infância, ausência de divulgação de protagonistas mulheres na área, e falta de incentivo de pai/mãe/responsável. Um grande diferencial foi para a opção “Falta de interesse das mulheres pela computação” que ficou em quarto lugar para homens com 44 respostas (42%), e em quinto para mulheres com 10 (20%).

Sobre as experiências das alunas, a primeira pergunta feita foi: “Na sua opinião, quais são os principais desafios enfrentados pelas mulheres que estudam na área da computação?”. As respostas mais selecionadas foram: machismo (84%), desmotivação por comentários ruins (74%), integração em grupos de trabalho (41%), os mesmos dos homens (37%) e não conseguir suportar a pressão (25%).

Para as questões “Você já sofreu preconceito ou se sentiu prejudicada apenas por ser uma mulher na área da computação?” e “Você já deixou de participar de eventos como maratonas de programação, por achar que não era um ambiente confortável para mulheres?”, os gráficos estão na Figura 3. Em suma, quase 75% das mulheres já sofreram preconceito e mais da metade já deixou de participar de eventos por não se sentirem confortáveis com o ambiente. Algo que é negativo, pois muitas empresas têm como forma de processo seletivo maratonas de programação, entre outros eventos.

Figura 3.Escolhas para questões apenas para mulheres.

Relatos das experiências das estudantes

Finalmente, o questionário encerrou com perguntas abertas para as mulheres relatarem suas experiências. Na questão: “Você já ouviu comentários/piadas sexistas – que discriminam em função do gênero? Se sim, exemplifique.”, foram vários relatos, muitos sobre uma suposta incapacidade que mulheres têm em relação aos homens, principalmente relacionado à programação. Exemplos de respostas incluem:

Relato I: “Já escutei comentários como ‘Você não saberia me responder essa questão sobre programação’, ‘mulher nem sabe matemática e física, quem dirá computação’, entre outros que seguem a mesma linha.”

Relato II: “Não na UFMG, mas no curso técnico na primeira aula de programação que tive ouvi que ‘mulheres são naturalmente piores programadoras que homens’ ”

Relato III: “Sim, um colega de sala disse ‘Nunca pensei que ela conseguiria programar melhor que os caras do grupo, melhor até que eu.’, como se fosse algo surpreendente uma mulher programar bem e ‘melhor até que os caras’ ”

Relato IV: “Sim. Já ouvi um colega referir a coisas fáceis como coisas que eu seria capaz de entender. E eu era a única mulher do grupo. Coisas do tipo ‘O jeito que eu implementei é tão simples que até a Fulana vai entender’.”

Relato V: “Sim. Já ouvi de professores se eu programava ‘igual macho’, numa referência a qual IDE eu usava. Totalmente descabido.”

Relato VI: “Sim, já ouvi de colegas que um determinado professor provavelmente dava mais pontos pra mulheres, por eu estar me dando melhor na matéria que eles.”

Reflexões Finais

Em tempos em que as mulheres estão ocupando maior espaço no mercado de trabalho, incluindo os diversos campos da ciência, e estão em maior número no ensino superior, qual a explicação para a diminuição delas nessa área da ciência? Wilson argumenta que existe uma associação entre homem e tecnologia. Tecnologia é associada com algo potente, incompreensível, desumano, científico e, sobretudo, masculino (WILSON, 2003). Tal situação aparece em relatos de nossas alunas, pois é perceptível que existe um grande preconceito em relação às mulheres, que muitas vezes elas são julgadas e diminuídas pelo o simples fato de serem uma mulher.

No questionário aplicado, sobre percepção de estudantes em relação à desigualdade no dia a dia do departamento, no tratamento dispensado a alunas e alunos e/ou professoras ou professores, ficou claro que as mulheres têm muito mais percepções das desigualdades, pois na maioria das vezes elas vivenciam esses preconceitos. Enquanto aos homens, falta um pouco de empatia para entender a situação, o que é preocupante, pois muitas vezes eles são os que realizam tais desigualdades.

A ideia de que as mulheres não pertencem à tecnologia é um produto da construção histórica, cultural e social. A masculinidade é parcialmente construída através de noções de competência técnica e a dominação masculina se postergam pelo o estereótipo entre homem e tecnologia, imagens culturais e representações. Para vencermos esse tipo de preconceito, é importante que mulheres se unam e que homens tenham mais empatia por nossa situação.

Referências:

CLANCE, P. R.; IMES, S. A. (1978). The imposter phenomenon in high achieving women: Dynamics and therapeutic intervention. Psychotherapy: Theory, Research & Practice, 15(3), 241–247. doi: 10.1037/h0086006.

WILSON, Fiona. “Can compute, won’t compute: women’s participation in the culture of computing.” New Technology, Work and Employment, v. 18, n. 2, p. 127- 142, jul., 2003.

Como citar este artigo:

Carvalho, Pâmela; Moro, Mirella M. Um Panorama da Presença Feminina no DCC/UFMG e Estereótipos de Gênero. SBC Horizontes. ISSN: 2175-9235. Disponível em: http://horizontes.sbc.org.br/index.php/2021/03/um-panorama-da-presenca-feminina-no-dcc-ufmg-e-estereotipos-de-genero/

Sobre as autoras:

Pâmela Carvalho

Graduada em Sistemas de Informação pela a UFMG. Trabalha como Administradora de Redes no DCC/UFMG – PoP-MG/RNP e cofundadora da comunidade GirlsSupport Girls.

Lattes: https://… http://lattes.cnpq.br/5503896278388387 

LinkedIn: www.linkedin.com/in/pamela-carvalho-silva

Mirella M. Moro

Professora do DCC/UFMG. Conselheira da SBC. Membra do Comitê Gestor do Programa Meninas Digitais. Coordenadora dos projetos Bytes & Elas, e BitGirls.

Lattes: https://…  http://lattes.cnpq.br/6408321790990372 

Contatos: https://linktr.ee/mirellammoro

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