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Mudando o jogo: a história de Carol Shaw na indústria de jogos eletrônicos

Mudando o jogo: a história de Carol Shaw na indústria de jogos eletrônicos
Por Raquel de Oliveira

Esse texto foi produzido no contexto do projeto “Emíli@s – bits de representatividade: participação feminina falante e atuante na Computação” da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), campus Campo Mourão. 

 

Nos anos 70 e 80, a indústria de jogos estava emergindo em meio a um cenário dinâmico e inovador. Nessa época, os fliperamas eram epicentros de entretenimento, oferecendo jogos como Pong, Space Invaders e Pac-Man, que rapidamente se tornaram ícones da cultura pop. No entanto, o setor enfrentava desafios substanciais, desde a tecnologia limitada, representada por consoles como o Atari 2600, até a competição acirrada nos fliperamas. O público, ávido por novidades, buscava experiências simples e viciantes, marcadas por gráficos e sons inovadores para a época. O surgimento da cultura dos jogos domésticos introduziu desafios adicionais, como a adaptação de jogos de fliperama para plataformas com recursos técnicos mais modestos. As limitações de armazenamento e processamento incentivaram a criatividade, levando ao desenvolvimento de jogos icônicos que definiram uma era.

Arcade Games
Fonte: Riceball

É nesse contexto que encontramos Carol Shaw, uma das raras figuras femininas na indústria de jogos entre as décadas de 70 e 80. Seu trabalho mais notável, o jogo River Raid, desafiou as limitações tecnológicas da época, introduzindo conceitos inovadores que persistem até os dias de hoje. Enquanto jogos como Pac-Man e Space Invaders competiam pelo domínio nos fliperamas, River Raid se destacava com sua jogabilidade única e gráficos avançados para a época, mostrando a versatilidade e a visão de Shaw. Além de enfrentar os desafios técnicos da época, ela também navegou pelos obstáculos associados ao seu papel como uma das poucas mulheres desenvolvedoras de jogos, abrindo caminho para uma maior representatividade no setor. O legado de Carol Shaw não apenas impactou o cenário dos anos 70 e 80, mas também inspirou futuras gerações de mulheres a seguir carreiras na indústria de jogos.

Carol Shaw
Carol Shaw em seu escritório. Fonte: Atomic Robot

Nascida em 1955 na cidade de Palo Alto (California, EUA), Carol Shaw é considerada por muitos a primeira mulher desenvolvedora de jogos. Durante a sua infância, Shaw era notavelmente conhecida pelos seus professores e familiares por ser boa em matemática. Na escola, Shaw participou e ganhou várias competições de matemática, saindo delas não só com troféus, mas também com comentários como “ela é boa em matemática para uma garota”, comentário esse que evidencia o preconceito que Shaw já enfrentava desde jovem simplesmente por ser uma mulher de destaque em áreas tradicionalmente associadas a um público masculino. O interesse de Shaw por computadores se deu início durante o seu ensino médio, onde descobriu que os teletipos de sua escola a permitiam jogar jogos baseados em texto. Shaw se graduou em Engenharia Eletrônica e Ciência da Computação pela Universidade da California (UC)-Berkeley, em 1977. Ao entrar na faculdade, ela não tinha muita noção do que gostaria de fazer, mas após ter aulas de programação, Shaw começou a acreditar que tinha achado algo com o qual gostaria de trabalhar após a sua graduação.

A história de Carol na Atari, empresa líder no mercado de videogames durante os anos 70 e início dos anos 80, começou quando procurava por empregos após ter terminado o seu mestrado em Berkeley. Voltando de muitas entrevistas com várias ofertas de emprego, Atari foi a empresa que ganhou a sua atenção, afinal, ela estava sendo paga para jogar, como a mesma comentou [1]. Durante o seu começo na Atari, Carol chegou a escutar de Ray Kassar, o então presidente da Atari, que eles estavam felizes em terem uma mulher desenvolvedora de jogos na empresa…para trabalhar na decoração do interior dos cartuchos [1]. Porém nem o comentário feito pelo presidente nem a falta de mulheres no seu ambiente de trabalho a desencorajam. Contratada inicialmente para ser uma designer de jogos, o trabalho de Shaw ia muito além disso. Naquela época era comum que uma pessoa só ficasse responsável pela criação de um jogo inteiro, como os gráficos, código, design e sons. O seu primeiro projeto para a Atari foi um jogo promocional para a marca de roupas americana Ralph Lauren. Apesar disso, o projeto não chegou a ser utilizado pela marca. Seu primeiro jogo a ser publicado foi Tic-Tac-Toe, em 1979.

Durante os últimos meses de Shaw na Atari, a indústria de jogos passava por ciclos de expansão e crises. Durante os ciclos de crise, ela acreditava que as coisas ficariam mais estressantes e menos divertidas, e ela também pensava que a empresa já não era mais como antes. Essas situações fizeram com que Shaw saísse da Atari em busca de experiências diferentes que a levaram até a empresa Tandem Computers, em 1980, onde ela ficou encarregada de criar códigos na linguagem Assembly para um processador [2]. Esse emprego durou apenas 16 meses e, logo após, Shaw voltou para a área de jogos, agora na Activision (concorrente da Atari), onde Shaw criaria o seu grande legado na história dos videogames, River Raid.

Imagem do jogo River Raid. Fonte: ibtcareers

Em River Raid, o jogador pilota um avião sobre um rio enquanto ataca bases inimigas. O gameplay acaba se o avião colide com um inimigo ou fica sem combustível. Um dos aspectos inovadores de River Raid foi a introdução ao conceito de checkpoints e o uso de geração procedural para design de níveis: o jogo gerava o seu terreno algoritmicamente. Isso não apenas aumentou a capacidade de repetição do jogo, mas também lançou as bases para jogos futuros explorarem ambientes dinâmicos, de constante mudança. A ideia inovadora de Shaw fez com que a Activision vendesse milhares de cópias do jogo, algo surpreendente para a época. 

Após o sucesso de River Raid, Shaw trabalhou em outros projetos para a Activision, e até chegou a voltar a trabalhar para a sua empresa anterior, Tandem, onde atuou desde 1984 até 1990, antes de decidir se aposentar aos 35 anos. Mesmo após se aposentar, Shaw continuou participando de projetos voluntários. 

River Raid teve um milhão de unidades vendidas. Fonte: thenemy

A marcante diferença entre o número de mulheres e homens na área da computação, embora evidente, não intimidou Shaw a ingressar nesse campo. Graças à sua coragem e determinação, a trajetória de Shaw tornou-se uma fonte inspiradora para a geração subsequente de mulheres notáveis no desenvolvimento de jogos, como Roberta Williams, Amy Hennig, entre outras. Sua influência não se limita apenas ao fato de Shaw ter sido uma mulher atuante no desenvolvimento de jogos, mas também por ser uma figura feminina que transcendeu as sombras de seus colegas masculinos, conquistando um merecido destaque.

Para as mulheres que desejam entrar para a computação ou desenvolvimento de jogos, Carol deixa o seguinte conselho:

“Se isso é algo que elas gostam de fazer, elas deveriam ir em frente e fazer. Não permitam que lhes digam que não podem. O fundamental é encontrar algo que você aprecie fazer e tenha interesse.” [1]


Referências:

[1] EDWARDS, Benj. VC&G Interview: Carol Shaw, Atari’s First Female Video Game Developer. Vintage Computing and Gaming, 2011. Disponível em <https://www.vintagecomputing.com/index.php/archives/800/vcg-interview-carol-shaw-female-video-game-pioneer-2>. Acesso em: 07 de mar. de 2024.

[2] SYMONDS, Shannon. Preserving Carol Shaw’s Trailblazing Video Game Career. National Museum of Play, 2017. Disponível em <https://www.museumofplay.org/blog/preserving-carol-shaws-trailblazing-video-game-career/>. Acesso em: 07 de mar. de 2024.

 


Sobre a autora

Raquel de Oliveira
Bacharelanda em Ciência da Computação na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), com interesse em Ciência de Dados e Inteligência Artificial.

 

 

 

Sobre o Projeto Emíli@s – bits de representatividade

Somos o projeto “Emíli@s- bits de representatividade : participação feminina falante e atuante em Computação”, um grupo de estudantes e professores do curso de Ciência da Computação da UTFPR, campus Campo Mourão.

Inspiradas em nossa irmã “Emíli@s: Armação em Bits” da UTFPR campus Curitiba, nascemos com o objetivo de promover a participação ativa e o incentivo a permanência de meninas e mulheres na área de tecnologia para promover a igualdade de oportunidades nesse setor.


Como citar este artigo

DE OLIVEIRA, Raquel. Mudando o jogo: a história de Carol Shaw na indústria de jogos eletrônicos. SBC Horizontes, mar. 2024. ISSN 2175-9235. Disponível em: <http://horizontes.sbc.org.br/index.php/2024/03/mudando-o-jogo-a-historia-de-carol-shaw-na-industria-de-jogos-eletronicos/>. Acesso em: DD mês. AAAA.

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