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Silvio Meira – Folião da Inovação

Silvio Meira – Folião da Inovação

Revisão: Alane Marie de Lima, Roberto Pereira e Sílvia Amélia Bim
Edição: Heloise Acco Tives

O Carnaval, uma festa esperada anualmente por muitos brasileiros, é brincado e pulado de diferentes formas por todo o país, desperta paixões, entusiasma multidões e também faz com que raízes sejam criadas. Silvio Romero de Lemos Meira teve o Carnaval como um dos fatores determinantes para adotar o Recife como lar. Em suas palavras: “meu envolvimento com o Carnaval é forte” (PIERRO, 2021).

Graduado em Engenharia Eletrônica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica – ITA (1977), mestre em Ciências da Computação pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE (1981) e doutor em Ciência da Computação pela University of Kent at Canterbury (1985). É professor extraordinário da CESAR.school, professor emérito do Centro de Informática da UFPE. No ano letivo 2012-2013, Silvio foi Fellow do Berkman Center da Harvard University, onde também foi Faculty Associate até 2015 (MEIRA, 2022a). 

Silvio também é fundador de Blocos e Maracatus, e um percussionista que se diverte muito como pesquisador de engenharia de software, plataformas e ecossistemas digitais, transformação digital, inovação, empreendedorismo, estratégia de negócios, políticas públicas (MEIRA, 2022b) e educação (CESAR, 2019).

Paraibano de Taperoá, uma pequena cidade de aproximadamente 15 mil habitantes (IBGE, 2022), e pernambucano por adoção, é filho de um casal que acreditava no estudo como a única maneira segura para o progresso. Irmão mais velho entre  quatro, aprendeu a ler com a mãe, dona Zuila, que era professora (NORONHA, 2021). 

Aos 11 anos de idade, Silvio teve hepatite e passou a quarentena tomando água, comendo marmelada, descansando e lendo. Nessa época, seu pai, Inácio, comprou os 18 volumes da Enciclopédia Tesouro da Juventude, oportunizando ao Silvio a abertura para um mundo novo de conhecimento e oportunidades.

Seu Inácio era gerente da Sanbra (Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro), o que fazia com que a família tivesse necessidade constante de mudança. Moraram em várias cidades do interior do nordeste até irem para o Recife, quando Silvio estava com 16 anos (NEJAIM, 2014). Ao chegar lá, Silvio fez amizades que o incentivaram a estudar para entrar no ITA, sendo uma das formas de se enturmar na cidade (RODA VIVA, 2019).

Charge feita durante entrevista no programa Roda Viva em 2019 (RODA VIVA, 2019).

Detalhes de Formação e Carreira

Pouco tempo depois de entrar no ITA, em 1973, Silvio descobriu os computadores. Foi durante a graduação o seu primeiro contato com um IBM 1130, um dos equipamentos que auxiliou na popularização da Computação no Brasil. Como consequência do interesse por Computação, em pouco tempo Silvio já estava programando e foi a programação que o fez mudar sua carreira da engenharia para a Computação. 

Nas palavras de Silvio: “Quando descobri que era possível programar uma máquina para ela executar o que eu desejasse, foi paixão à primeira vista (PIERRO, 2021)”.

Até meados da década de 1990, a Computação era muito incipiente no Brasil e não existia como departamento autônomo nas universidades brasileiras, salvo exceções – a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) criou em 1969 o primeiro bacharelado em Ciência da Computação do país e um departamento próprio, e a USP (Universidade de São Paulo) de São Carlos inaugurou o mesmo curso no fim dos anos 1970. Na época, Computação costumava ser uma área vinculada a departamentos de estatística e matemática, como ocorria na UFPE. 

Naquela época, havia dúvida, nas universidades, se valeria a pena ter cursos de graduação em Computação, porque ainda não se compreendia exatamente esse campo do conhecimento. 

Com o investimento de docentes visionários da UFPE, o currículo da graduação foi reformulado e tornou-se mais complexo, com um grande número de disciplinas de Física e de Cálculo. Era a sinalização do amadurecimento do Departamento de Informática, não mais visto como uma simples dissidência da Estatística ou da Matemática. A reforma da grade curricular tornou o curso mais complexo, mas também apresentou aos estudantes o lado mais prático da Computação. O curso passou de quatro para cinco anos e, com matérias de Economia e Administração, formava os alunos para serem gerentes de Centro de Processamento de Dados em grandes empresas (MEIRA, 2022b).

No sentido consolidar o que já existia, os docentes Fabio Silva, Ismar Kaufman, Paulo Cunha e Silvio Meira se uniram para criar o CESAR (Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife), sendo um mecanismo para criar ambiência do mercado com a universidade, do ponto de vista da Informática (ALMEIDA, 2021). 

Segundo o Silvio, “o CESAR foi criado com dois objetivos: 1. manter em Recife uma proporção maior de alunos formados na UFPE e 2. atrair para Recife ex-alunos de outros lugares que poderiam identificar problemas complexos o suficiente para eles trabalharem”  (ASSAD, 2011). 

Como continuação do trabalho, outro grande projeto que Silvio apoiou foi a criação do Porto Digital: um Arranjo Produtivo de Tecnologia da Informação e Comunicação com foco no desenvolvimento de software. No início desse projeto, o CESAR saiu da UFPE e hoje está totalmente instalado no Porto Digital (GUIMARÃES, 2017). 

A iniciativa do Porto Digital deu tão certo que, fundado em 2000, ele já é considerado um dos principais parques tecnológicos e ambientes de inovação do Brasil, e um dos representantes da nova economia do Estado de Pernambuco. 

Carnaval

Em meados dos anos 1980, ao voltar do seu doutorado na Inglaterra, Silvio acabou se envolvendo com o ambiente cultural de Recife, principalmente o Carnaval.

Entre as atividades de que Silvio se envolveu está a fundação do Cabra Alada: um maracatu que completou 25 anos em 2020 (PIERRO, 2021) .

O bloco “Dá o Loud”, que é o bloco de carnaval do CESAR conhecido por ser o “bloco mais tecnológico, geek e animado do Recife Antigo!” (DAOLOUD, 2022b), também faz parte da vida do Silvio e foi fundado em 2003 com o seu apoio. O hino  do “Dá o Loud”, que está logo abaixo,  tem letra do próprio Silvio Meira e a melodia foi feita por Geber Ramalho (GUIMARÃES, 2017).

Dá o Loud (Versão 0.47)

“No carnaval é dá o loud, dá o loud, dá o loud,
Abaixe aqui
Não me venha com um Control-C
Não desista, venha até o fim
Insista, bem, no dá o loud, dá o loud
Sei que ainda sou o seu plug-in 

(BIS)

Eu não preciso de senha
É só chegar me instalar em você
Não trago vírus, nem sei me espalhar bem
Na Tiradentes não tem pra ninguém
A banda vai aguentar, sim
Tô no seu porto esperando pr’entrar
Baixe as defesas do firewall
Ligue seu fogo e relaxe pra gente rodar”

Além de ser um ambiente de “frevo, festa e coração!”, o bloco é também um espaço de preocupação com o assédio que pode ocorrer durante o Carnaval.  Durante o ano de 2019, houve uma conscientização com os participantes sobre o tema, em uma iniciativa da rede colaborativa “Mete a Colher”: organização que busca proteger e valorizar o público feminino, que ajuda mulheres a sair de relacionamentos abusivos, buscando juntas uma realidade cada vez mais segura e igualitária. No dia do evento foram distribuídos adesivos e fitinhas para as mulheres do bloco, e houve uma conversa rápida sobre a campanha no meio da folia mesmo (DAOLOUD, 2022a).

Em 2020 e 2021, o bloco “Da o Loud” não pode ir para as ruas, devido à pandemia do COVID-19, mas a tradição tem se mantido através de encontros online. 

Contribuições para Computação

Silvio sonha com um Brasil com mais oportunidades, para muito mais gente. A partir disso, sonha que essas oportunidades gerem muito mais igualdade de possibilidades, onde cada vez mais pessoas tenham oportunidades dentro de suas realidades sociais e culturais (RODA VIVA, 2019) . 

A docência para Silvio está além de ensinar, estando muito focada no processo de aprendizagem.  Sua contribuição para o desenvolvimento da Computação no Brasil vai além de dezenas de orientações em teses e dissertações e da publicação de centenas de artigos científicos. 

Silvio foi o 49º doutor em Computação no país quando voltou do doutorado (PIERRO, 2021). Com seu ingresso como docente na UFPE em 1985, e em parceria com os também docentes Clylton Galamba e Paulo Cunha, desenvolveu um plano de longo prazo para colocar o Recife no mapa da Computação em 15 anos. Em 1995, apenas 10 anos depois, o Departamento de Informática da UFPE havia entrado para o radar nacional, alcançando um grupo de elite (PIERRO, 2021) que até hoje, em grande parte, é centralizado no Sul e Sudeste brasileiro.

 

Clylton Galamba, Silvio Meira e Paulo Cunha no Carnaval de Olinda [11]

Ainda sobre suas contribuições para Computação ao longo da carreira, Silvio atuou como colaborador ou conselheiro no do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), período em que concebeu e coordenou o Programa Temático Multi-institucional em Ciência da Computação (ProTeM-CC). Também foi um dos criadores e coordenou o programa de Doutorado em Ciência da Computação da UFPE (NEJAIM, 2014). 

Outra preocupação demonstrada por Silvio em várias ações ao longo da carreira é com a diversidade de gênero na Computação. Segundo ele, a proporção de mulheres trabalhando em ciências, matemática, e engenharias, incluindo informática, é muito menor do que a proporção de mulheres na sociedade, e isso não tem nada a ver com uma maior capacidade dos homens para tais assuntos (MEIRA, 2009). Silvio ainda afirma que em contexto de grandes empresas, as mulheres têm uma performance relativa muito maior do que os homens. 

Silvio apoia o uso dos exemplos e atividades de mulheres inspiradoras para incentivar a entrada e permanência de cada vez mais meninas e mulheres no setor de tecnologia, já que uma mudança cultural é necessária para o aumento da participação feminina na área (RODA VIVA, 2019).

Curiosidades e Inspiração

No Blog dia a dia, bit a bit (MEIRA,2022a), Silvio disponibiliza textos que versam da tecnologia às questões educacionais, políticas e sociais, produzidos por ele desde 1997.

Na entrevista concedida ao Programa Roda Viva (RODA VIVA, 2019), Silvio relatou que seu filme preferido é Blade Runner, sua música preferida é Mythodea de Vangelis e seu livro preferido é A Pedra do Reino de Ariano Suassuna.

Silvio Meira foi ousado, quebrando não apenas linhas de código como também estereótipos da profissão. Que seu legado inovador seja inspiração, especialmente para a próxima geração de cientistas da Computação no Brasil que estão por vir.

 

Agradecimento especial pela colaboração para essa matéria para a equipe de Comunicação do CESAR, especialmente para a Verônica Lemos que auxiliou fornecendo materiais e esclarecendo dúvidas. Agradecimento também a Beatriz Leandro Bonafini, da equipe de Ciência de Dados do CESAR, por auxiliar no processo de comunicação.

 

Referências:

ALMEIDA, Júlia Nogueira de. Memória CIn/UFPE: a história do Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco. Recife: Ed. UFPE, 2021 Disponível em: https://editora.ufpe.br/books/catalog/download/521/678/2104?inline=1. Acesso em: 15/02/2022.

ASSAD, Leonor. Silvio Meira: em entrevista à ComCiência. Revista Com Ciência. Labjor – Unicamp,2011. Disponível em: http://comciencia.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1519-76542011000100013&lng=e&nrm=iso. Acesso em: 13/02/2022.

CESAR, Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife. A transformação no faroeste tropical. https://www.cesar.org.br/wp-content/uploads/2019/07/SilvioMeira_TakeAway.pdf. Acesso em: 13/02/2022.

DAOLOUD. Perfil do Facebook, 2022a. Disponível em: https://www.facebook.com/DaOLoud Acesso em: 15/02/2022.

DAOLOUD. Perfil do Instagram, 2022b. Disponível em: https://www.instagram.com/daoloud/. Acesso em: 13/02/2022.

GUIMARÃES, Bruno. Bloco do CESAR faz homenagem a Alceu Valença no Recife Antigo. Fevereiro de 2017. Disponível em: https://www.folhape.com.br/noticias/bloco-do-cesar-faz-homenagem-a-alceu-valenca-no-recife-antigo/18905/. Acesso em: 15/02/2022

IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Cidades e Estados. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/pb/taperoa.html. Acesso em: 15/02/2022.

MEIRA, Silvio. Blog Pessoal: Biografia. Fevereiro de 2022a. Disponível em: https://silvio.meira.com/biografia/. Acesso em: 13/02/2022.

MEIRA, Silvio. Currículo Lattes. Fevereiro de 2022b. Disponível em:  http://lattes.cnpq.br/4973731190814126. Acesso em: 13/02/2022.

MEIRA, Silvio. Mulheres & Informática: porque elas não estão lá?… Blog Pessoal. Março de 2009. Disponível em: https://silvio.meira.com/silvio/mulheres-informatica-por-que-elas-nao-estao-la/. Acesso em: 15/02/2022.

NEJAIM, Dalton. Silvio, o pensador. Revista Negócios PE. 29ª Ed, 2014. Disponível em:  
http://www.revistanegociospe.com.br/materia/Silvio-o-pensador. Acesso em: 13/02/2022

NORONHA, de Pedro Henrique. Silvio Meira: Estamos em uma armadilha chamada planeta Terra. Projeto Colabora, 2021. Disponível em:  https://projetocolabora.com.br/ods4/silvio-meira-estamos-em-uma-armadilha-chamada-planeta-terra/. Acesso em: 13/02/2022.

PIERRO, Bruno de. Silvio Meira: um realista esperançoso. Revista Pesquisa Fapesp. Ed. 299, jan 2021. https://revistapesquisa.fapesp.br/silvio-meira-um-realista-esperancoso/. Acesso em: 13/02/2022.

RODA VIVA com Silvio Meira. Apresentação Ricardo Lessa. São Paulo: Fundação Padre Anchieta (Tv Cultura), 2019 (117 min.). Disponível em:  https://www.youtube.com/watch?v=k5RdZBtqzWQ. Acesso em: 13/02/2022.

Sobre a autora: 

Heloise Acco Tives. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Informática da Universidade Federal do Paraná. Professora do Instituto Federal do Campus Palmas. Analista Funcional da BRK Ambiental. Tem interesse especial por pesquisas em Educação em Computação e diversidade de Gênero na área. 

 

Como citar este artigo

TIVES, Heloise Acco. Silvio Meira – Folião da Inovação. SBC Horizontes, fevereiro de 2022. ISSN 2175-9235. Disponível em: https://horizontes.sbc.org.br/index.php/2022/02/silvio-meira-foliao-da-inovacao/. Acesso em: DD mês AAAA.

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