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O que fica quando a gente vai?

O que fica quando a gente vai?

Hoje foi um dia triste. A morte é vida intensa demais para quem fica, escreveu Carla Madeira em Tudo é Rio. Concordo. Muito.

Hoje foi um dia triste. Sinto. Muito. Um sentir que abraça o coletivo, mas que também é muito privado, quase egoísta. Sinto o tempo. O que passou. Uma mistura de angústia e ansiedade por tudo aquilo que não vivi e por tudo aquilo que ainda quero viver. Vai dar tempo?

Resgato lembranças. Busco fotos. Penso em quanta coisa a gente deixa de fazer porque precisa deixar para depois. Coisas simples. Uma mensagem boba de bom dia. Tudo certo por aí? Um café. Uma ligação – quem liga ainda, afinal?

A gente deixa muita coisa para depois, porque tem tanta urgência em fazer coisas para agora. Sempre tem mais um e-mail para responder. Sempre tem um prazo estourando. Sempre tem mais uma demanda urgente para agora ou nunca mais. Sempre tem. Sempre.

E assim passam os dias. Passa o tempo de uma vida. O que fica quando a gente vai?

Inúmeros objetos pessoais espalhados nos espaços que habitamos. Também inúmeros registros dispersos nas redes sociais. Quantidades enormes de bits em formato de imagens, vídeos e textos. Exposição pública de nossos pensamentos. Nosso eu compartilhado na web. O que acontece com tudo isso quando a gente vai?

Objetos físicos podem ser facilmente distribuídos ou abandonados. Registros digitais também. Mas descobri uma coisa interessante – o digital pode nos conduzir à imortalidade.

Assim como fantasmas, podemos continuar postando na nossa página do Facebook – basta indicar um herdeiro. Ele posta por nós. Decide quem pode ser amigo e quais postagens são homenagens válidas ou não. O herdeiro é um curador das nossas lembranças. Ele gerencia o nosso memorial. Imortaliza quem somos a partir do seu olhar. Mas também tem o poder de nos excluir com apenas um comando. E o que era tudo, facilmente vira nada.

Hoje foi um dia triste. Não postei nada nas redes sociais. Também não tive vontade de curtir nada. Me fiz nos abraços. Chorei um pouco. Senti. Muito. Nada registrado. Será que não vivi? Quanta vida tem no tempo não postado?

A morte transborda vida. É intenso. Demasiadamente intenso.

Arte: Niki(@jururuart)
Revisão: Tiago Bergenthal)
Texto produzido durante o módulo Mosaico Santa Sede (@oficinasantasede & @rubempenz).

Como citar esse artigo:

BASSANI, Patrícia Scherer Assim caminha a humanidade. SBC Horizontes, 20 nov. 2023. ISSN 2175-9235. Disponível em: <https://horizontes.sbc.org.br/index.php/2023/11/o-que-fica-quando-a-gente-vai/>. Acesso em: DD mês. AAAA

Patrícia Scherer Bassani é doutora em Informática na Educação, professora titular do PPG em Diversidade Cultural e Inclusão Social na Universidade Feevale, na linha de pesquisa Linguagens e Tecnologias.

Currículo lattes e redes sociais

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