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Mulheres na Computação no Brasil: histórias e memórias de Camila Achutti

Mulheres na Computação no Brasil: histórias e memórias de Camila Achutti

Por Alice Fonseca Finger, Aline Vieira de Mello, Amanda Meincke Melo e Clevi Elena Rapkiewicz

Muitas mulheres fazem a história da Computação no Brasil acontecer. Uma delas é Camila Achutti, cuja trajetória profissional e pessoal consta no e-book Mulheres na Computação no Brasil: histórias e memórias que traz histórias de oito mulheres com contribuições significativas na área da Computação, com o intuito de servir de inspiração para as atuais e futuras gerações. Aspectos da trajetória pessoal estão presentes porque as relações sociais de gênero são construídas ao longo de toda a vivência das pessoas. No texto são, então, abordadas, em maior ou menor grau, referências da própria Camila à família de origem – pais, mães, irmãos, avós, entre outros –, família constituída – estado civil, presença ou não de filhos… –, formação escolar – atitudes de professores, por exemplo, desde a educação básica até a pós-graduação – e mercado de trabalho – como se dá a inserção no mundo (ainda) computacional (ainda) de domínio masculino.

Camila Achutti nasceu em São Paulo (SP) e cresceu em Guarulhos (SP), cidade da grande São Paulo. Foi para lá muito cedo, com os pais e sua irmã gêmea. Seu pai descobriu a Informática na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), ainda na década de 80, e sua mãe possui formação em Letras Português/Inglês. Enquanto o pai de Camila desenvolveu sua carreira na área da Tecnologia, a mãe, que inicialmente trabalhava como secretária no mundo corporativo, a interrompeu durante a gestação, retornando às atividades laborais como corretora de imóveis após os 50 anos, quando suas filhas já estavam na faculdade.

Desde bem pequena, ela e sua irmã, juntas, participaram de uma variedade de atividades, como a Olimpíada de Matemática e Teatro, que, segundo Camila, contribuíram para a formação de seu caráter. Na infância e enquanto crescia, além de acesso a uma diversidade de brinquedos, Camila sempre teve acesso ao computador – instrumento de trabalho de seu pai.

Quando a avó, com quem moravam e conviveram até os 10 anos de idade, faleceu, ela e sua irmã passaram a ter maior contato com os primos. Nessa época, ao mesmo tempo em que brincavam com eles, sendo as únicas meninas da família, Camila começou a perceber as primeiras distinções de gênero na divisão de tarefas e nos presentes que recebiam, o que não percebia apenas na convivência com seus pais. Os meninos eram convidados a limpar o carro e a arrumar a chácara, enquanto as meninas iam para a cozinha ajudar a tia. Os meninos ganhavam videogame e carrinho, mas ela e a irmã ganhavam roupas. Isso, segundo ela, não é exclusividade da sua vivência e sim de todas as meninas brasileiras. 

Em casa, nas tarefas domésticas, além de terem uma ajudante, seus pais as dividiam bem. Assim, ela e a irmã não se preocupavam em realizá-las. Deveriam, portanto, dedicar-se aos estudos e, mais tarde, ao trabalho, assim como seus pais faziam para oferecer oportunidades às filhas. Tanto para seu pai quanto para sua mãe, ambas deveriam fazer faculdade. 

Camila sempre gostou muito de estudar e de se destacar entre os colegas de escola. Durante o ensino médio, fez várias aulas eletivas, como Matemática Avançada, Mecatrônica, entre outras na área de Exatas. Participou de Olimpíadas de Matemática e Física, sendo classificada em uma ocasião para realizar uma etapa no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). Nessa época, mais uma vez, percebeu a distinção entre gêneros, pois aos seus pais foi recomendado que a levassem ao instituto ao invés de ela participar da excursão com os colegas e professores.

Para ingressar no ensino superior, Camila fez vestibular em diferentes instituições na área da Computação. Decidiu, então, estudar sua graduação na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli/USP). Nesse período, nutriu o sonho de trabalhar na NASA – National Aeronautics and Space Administration, nos Estados Unidos. Envolveu-se, assim, com Iniciação Científica, orientada pela professora Ana Cristina, na área de Verificação e Validação de software de missão crítica em projeto vinculado ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). A essa área, inclusive, pretendia se dedicar no mestrado.

Ao final da graduação, já envolvida em atividades relacionadas à Educação e Tecnologia, Camila teve a oportunidade de realizar um estágio na Google, no Vale do Silício – estado da Califórnia, nos Estados Unidos. Durante esse período, conheceu alternativas à vida acadêmica, visitou a NASA, vizinha do escritório onde trabalhava, e essa experiência a fez repensar sua trajetória: poderia trabalhar, ganhar dinheiro e, ao mesmo tempo, causar impacto na vida das pessoas. 

Ao retornar dos Estados Unidos, Camila alinhou um novo tema de pesquisa para o seu mestrado: Educação e Tecnologia. Desde então, tem trabalhado com Computação e Educação no meio corporativo, no Ensino Superior e na Educação Básica. No meio corporativo, preocupa-se em atualizar as pessoas para que não fiquem obsoletas no mercado de trabalho. No Ensino Superior, deixa em evidência a Computação como um meio, não um fim em si mesma, de modo que os novos programadores sejam conscientes de sua responsabilidade social. Já na Educação Básica, procura apresentar alternativas, desenvolver o pensamento crítico e a cidadania, de modo que as crianças reconheçam o impacto da tecnologia. 

Camila é sócio-fundadora da Mastertech, onde atua desde 2015, com projetos de educação corporativa. Em 2019, estruturou a Organização Não Governamental (ONG) SOMA, que se dedica a realizar intervenções com educação de tecnologia para diferentes públicos, incluindo pessoas com deficiência e jovens em medida socioeducativa. Nessa experiência corporativa, observa que também enfrentou algumas situações em que sua capacidade técnica foi questionada. Contudo, atualmente seu trabalho está bem estabelecido. 

Há sete anos, mora com Marcos, seu marido. Ser mãe está em perspectiva. Ambos, contudo, trabalham muito. Na rotina que compartilham, cuidam um do outro. Nessa caminhada conjunta na família constituída deixa clara a parceria sem que um dos membros seja sobrecarregado devido ao seu gênero.  

Inspirada na frase de Grace Hopper: “Navios são seguros no porto, mas não foi para isso que eles foram feitos.”, ela deixa sua mensagem para as mulheres. Embora a sociedade nos coloque em determinados lugares, cada uma sabe o que pode fazer, ou seja, pode ocupar o espaço que quiser. Portanto, recomenda que as mulheres se questionem: “O que eu quero?”, de modo que possam tomar decisões mais genuínas.  

Para mais informações, acesse:
Acesse o e-book Mulheres na Computação no Brasil: histórias e memórias na íntegra: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/266567  
Acesse a transmissão online Mulheres na Computação no Brasil: Mulheres inovadoras, disponível no canal YouTube do programa de extensão Programa C, em https://www.youtube.com/watch?v=WI0CFDALM3Q
Acesse a página “Camila Achutti”, do Projeto ENIGMA, em https://www.ufrgs.br/enigma/camila-achutti/
Autoria

Alice Fonseca Finger. Professora adjunta na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), onde exerce a docência no Campus Alegrete desde 2014. É Bacharela em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Mestra e Doutora em Ciência da Computação pela mesma Universidade. Participa como equipe executora das ações de extensão do Gurias na Computação, projeto parceiro do Programa Meninas Digitais da Sociedade Brasileira de Computação. É líder do grupo de pesquisa Laboratory of Intelligent Software Engineering (LabISE). A Matemática sempre foi sua matéria preferida durante o ensino fundamental e médio. Na Computação, não foi diferente: é apaixonada pelas disciplinas matemáticas e teóricas. Currículo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/2691501072064698
Aline Vieira de Mello. Professora adjunta na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), onde exerce a docência no Campus Alegrete desde 2011. É Bacharela e Mestra em Ciência da Computação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutora em Ciência da Computação pela Sorbonne Université. Coordenadora do programa de extensão Programa C e do projeto de extensão Motus – Movimento Literário Digital. Participou da concepção da ação de extensão Gurias na Computação, projeto parceiro do Programa Meninas Digitais da Sociedade Brasileira de Computação, na qual atua até hoje. Coordena o projeto de pesquisa Egress@s – coleta, disponibilização e visualização de dados. Desde pequena gostava de estudar e, mesmo sem saber ligar um computador, escolheu fazer o ensino médio técnico em informática. Teve um ótimo desempenho e se apaixonou. Considera que sua trajetória é fruto de bastante dedicação e uma dose de sorte. Optou pela docência porque queria que seu trabalho fizesse diferença na vida das pessoas. É casada e mãe da Maria Fernanda, do Henrique (in memorian) e da Elisa. Currículo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/7822927936432169
Amanda Meincke Melo. Professora associada na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), onde exerce a docência no Campus Alegrete desde 2009. É Bacharela em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Mestra e Doutora em Ciência da Computação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É também Licenciada em Letras-Português pela UNIPAMPA. Participou da concepção da ação de extensão Gurias na Computação, projeto parceiro do Programa Meninas Digitais da Sociedade Brasileira de Computação, na qual atua até hoje. É membro suplente, representando o Campus Alegrete, no Comitê de Gênero e Sexualidade da UNIPAMPA.É líder do grupo de pesquisa Grupo de Estudos em Informática na Educação (GEInfoEdu), coordenadora projeto de ensino GEIHC – Grupo de Estudos em Interação Humano-Computador e do programa de extensão TRAMAS, acrônimo para Tecnologia, Responsabilidade, Autoria, Movimento, Amorosidade e Sociedade. Desde muito pequena aprendeu a gostar de Matemática e de jogos de tabuleiro. Na pré-adolescência, foi apresentada ao mundo dos jogos digitais. Currículo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/3659434826954635
Clevi Elena Rapkiewicz. Professora de Computação há mais de três décadas, em todos os níveis de ensino (educação básica, educação técnico-profissional, ensino superior e pós-graduação). Atuou em duas instituições públicas, a Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Duplamente graduada (Tecnologia em Processamento de Dados pela UFRGS e Pedagogia pela UERJ), é mestra e doutora pela COPPE/UFRJ na linha de pesquisa Informática e Sociedade. Estruturou o projeto de extensão ENIGMA – Mulheres na Computação em 2014. Fundou, em 2022, o Espaço ENIGMA visando ações voltadas para visibilidade de mulheres na área de Computação. Seus pais não concluíram sequer o primário, mas sempre valorizaram o estudo. Egressa de escola pública estadual sempre viu na Educação uma forma de transformar a sociedade. Currículo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/0588660330634011

Como citar este artigo

FINGER, Alice Fonseca; MELLO, Aline Vieira de; MELO, Amanda Meincke; RAPKIEWICZ, Clevi Elena. Mulheres na Computação no Brasil: histórias e memórias de Camila Achutti. SBC Horizontes, dezembro de 2023. ISSN 2175-9235. Disponível em: https://horizontes.sbc.org.br/index.php/2024/01/mulheres-na-computacao-no-brasil-historias-e-memorias-de-camila-achutti/. Acesso em: DD mês AAAA.

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