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Igualdade de Gêneros na Academia: Experiência no Reino Unido

Igualdade de Gêneros na Academia: Experiência no Reino Unido

A convidada dessa edição da Beyond the Horizon é a Professora Márjory Da Costa-Abreu. Assim como eu, ela é brasileira e atua no ensino superior no Reino Unido. No nosso contexo, temos visto alguns avanços significativos na academia na direção de alcançar a igualdade de gêneros. Por sugestão da Márjory, compartilhamos aqui um pouco da nossa experiência como forma de inspiração.

Daqui pra frente, Márjory também vai assinar a coluna Beyond the Horizon, trazendo novidades em temas e autores para ampliar ainda mais nossos horizontes!

Boa leitura!


Igualdade de Gêneros na Academia: Experiência no Reino Unido

Por Márjory Da Costa-Abreu e Lara Piccolo

A igualdade de gêneros é um direito humano desde 1998 (UNESCO, 1998). Porém, sabemos bem que ao longo da nossa história, as mulheres têm se engajado em muitas lutas para assumir e afirmar essa igualdade política, social e econômica.

Como uma conquista parcial dessa luta histórica, algumas sociedades pelo mundo atualmente reconhecem que a igualdade de gêneros não é uma questão que deve ser enfrentada só pelas mulheres, mas um problema social que deve ser tratado de forma sistêmica.

Nesse artigo, nós compartilhamos nossa experiência de como essa questão tem sido tratada pela comunidade acadêmica no Reino Unido.

Foi uma instituição não-governamental trabalhando pela igualdade e diversidade na educação superior que, em 2005, chamou a atenção da comunidade acadêmica sobre a desigualdade de gêneros nesse setor. Eles defendiam que a academia não pode atingir todo o seu potencial a menos que possa se beneficiar dos talentos *de todos*. Assim, um grupo chamado Athena Swan (Scientific Women’s Academic Network) foi estabelecido para reconhecer e celebrar boas práticas nas instituições de ensino superior e de pesquisa para o avanço da igualdade de gênero: representação, progressão e sucesso para todos (Unit, 2005). Hoje esse grupo é gerenciado por uma instituição chamada Advance HE (que pode ser traduzido como Educação Superior Avançada).

O grupo Athena Swan atesta o compromisso de instituições de ensino superior com premiações em três diferentes níveis: Bronze, Prata e Ouro. Para se ter uma idéia, para obter o Bronze, a partir de de uma análise de igualdade de gêneros, a instituição precisa demonstrar uma base sólida para eliminar o preconceito de gênero e desenvolver uma cultura inclusiva, que valoriza todos os funcionários. Para o prêmio Prata, existe o reconhecimento de um histórico significativo de atividades e realizações da instituição na promoção da igualdade de gêneros em diferentes disciplinas. E o Ouro contempla o compromisso com os princípios totalmente integrado à instituição, com forte liderança na promoção e defesa dos princípios da Athena Swan, incluindo a consideração da igualdade de gêneros para profissionais e equipes de apoio e pessoas trans (Schmidt et al , 2020).

Inicialmente, o grupo Athena Swan premiava instituições de ensino superior nas áreas de ciências, tecnologia, engenharia, matemática e medicina. Em 2011, o Chief Medical Officer do Reino Unido, máxima autoridade em saúde pública no país ligada ao governo, exigiu que departamentos acadêmicos que solicitarem financiamento para pesquisa deveriam ter, obrigatoriamente, no mínimo o prêmio Athena Swan prata. Com isso, em maio de 2015, esse prêmio foi ampliado para incluir outros departamentos como artes, humanidades, ciências sociais, negócios e direito, além de equipes profissionais e de suporte, equipes técnicas, e funcionários e estudantes trans (Unit, 2016). 

Atualmente, o prêmio Athena Swan reconhece o trabalho de departamentos acadêmicos para lidar com o conceito de igualdade maneira mais ampla, e não apenas as barreiras à progressão que afetam as mulheres.

Apesar da implantação desse prêmio ser recente, já existem evidências do seu impacto. Por exemplo, o número de mulheres na academia tem aumentado e, de acordo com vários relatos das instituições, esse aumento pode ser uma causa e efeito do status do Athena Swan nas instituições e da melhoria da perspectiva e condições de trabalho pelas mulheres. Existem também evidências de um efeito positivo do Athena Swan na visibilidade, habilidades de liderança, desenvolvimento de carreira e satisfação das mulheres que trabalham em ciências exatas e medicina. O Athena Swan pode ser visto hoje um motor para melhorar o gênero diversidade (Rosser, 2019) (Gregory‐Smith, 2018).

Experiência da Májory na Sheffield Hallam University

A Sheffield Hallam University, onde leciono na área da computação, assinou o compromisso do Athena Swan em 2008 e recebeu um prêmio institucional Bronze em 2010, além de cinco outros pêmios departamentais. Como isso, a universidade segue um conjunto de 10 princípio que inclui, por exemplo, a criação de uma posição oficial junto da reitoria que foca em questões de gênero e a organização anual de uma  “Athena Swan lecture”

A última edição foi ministrada por mim com o tema: “Girls Wear Pink and Boys Wear Blue” que apresentou os principais trabalhos científicos que mostram que as escolhas feitas por crianças são na verdade impostas pela sociedade através de pequenos gestos do dia-a-dia. Por exemplo, vestir menias de rosa e meninos de azul, oferecer bonecas para meninas e carrinhos para meninos e reprimir qualquer comportamento das crianças que são socialmente associados com o ‘sexo oposto’.

Experiência da Lara na The Open University

Quando meu departamento conquistou o prêmio Bronze em 2017, eles constaram que a grande maioria da mulheres que passaram por ali como pesquisadoras por mais de uma década, por mais que gostassem do seu tabalho, abandonaram a vaga, e em muitos casos a academia, antes de alcançar uma posição sênior. A razão disso é a busca pela estabilidade de emprego, uma vez que contratos temporários são muito comuns nesse contexto. Como resultado, as posições mais altas na hierarquia do departamento têm sido ocupadas exclusivamente por homens por muitos e muitos anos.

Com o Athena Swan, uma série de ações para fortalecer a liderança feminina foi colocada em prática, como revisões periódicas da carreira para todos os funcionários, temporários ou não, mentoria para mulheres e mudança de critérios no oferecimento de contratos permanentes. Por conta desse plano,  hoje eu faço parte de uma série de treinamentos para liderança por mulheres que trabalha desde a postura e posicionamento em reuniões, até influência política, dentre outros tópicos. Esse programa, chamado AURORA, já formou uma rede de mais de 5.000 mulheres na liderança acadêmica no país.

Assim como nós duas percebemos mudanças a favor da diminuição da desigualdade (ou o ‘gender gap‘, como é chamado por aqui), tanto mulheres quanto homens de várias instituições reportam que a participação no Athena Swan trouxe mudanças estruturais e culturais importantes, incluindo maior apoio às carreiras das mulheres, maior valorização de esforços para desafiar a discriminação e o viés.

Entretanto, essas mudanças muito provavelmente não teriam acontecido sem a ligação do Athena Swan ao financiamento de pesquisas do governo (Donald, 2011). 

Essa experiência no Reino Unido evidencia que por mais que haja lideranças bem intencionadas em promover a igualdade de gêneros, sem formalizar esse processo em nível institucional, estadual ou nacional, dificilmente ela será de fato alcançada e sustentada (Ovseiko, 2017).

Referências

UNESCO (1998) Declaração Universal dos Direitos Humanos. https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000139423

Rosser, S.V.; Barnard, S.; Carnes, M.; Munir, F. (2019) Athena SWAN and ADVANCE: effectiveness and lessons learned. Viewpoint. 393 (10171) 604–608, February 09, 2019. doi:10.1016/S0140-6736(18)33213-6

Gregory‐Smith, I. (2018) Positive Action Towards Gender Equality: Evidence from the Athena SWAN Charter in UK Medical Schools. British Journal of Industrial Relations, 56: 463-483. doi:10.1111/bjir.12252

Unit, E. C. (2016). Athena SWAN Charter. Acesso em 10 de Setembro de 2020.

Unit, E. C. (2005). Athena SWAN Charter. 7th Floor. Queen’s House, 55, 56.

Donald, A.; Harvey, P.; McLean, A. (2011) Bridging the gender gap in UK science. Nature 478, 36. 

Ovseiko, P.V.; Chapple, A.; Edmunds, L.D.; Ziebland, S. (2017). Advancing gender equality through the Athena SWAN Charter for Women in Science: an exploratory study of women’s and men’s perceptions. Health Res Policy Sys 15, 12. Doi: 10.1186/s12961-017-0177-9

Schmidt, E. K., Ovseiko, P. V., Henderson, L. R., & Kiparoglou, V. (2020). Understanding the Athena SWAN award scheme for gender equality as a complex social intervention in a complex system: analysis of Silver award action plans in a comparative European perspective. Health research policy and systems, 18(1), 1-21. https://doi.org/10.1186/s12961-020-0527-x

Sobre as autoras

Dr Marjory Da Costa-Abreu

Marjory Da Costa-Abreu (PhD, MPhill, BSc, SFHEA) é Professora Associada em Artificial Inteligência na Sheffield Hallam University (Reino Unido). Ela trabalhou como Docente em Inteligência Artificial da UFRN de 2012 até 2019. Sua principal área de pesquisa é inteligência artificial aplicada, com mais de 15 anos de experiência. Ela é editora associada da IET Biometrics e membro do Conselho Especial de Segurança da Informação da Sociedade Brasileira de Computação. Ela ganhou o prêmio Newton Research Collaboration Program e trabalhou com divulgação científica na equipe da Pint of Science Natal. Ela é feminista e ativista das mulheres nas ciências/STEM. Ela foi recentemente premiada com o Senior Fellow of Higher Education Academy (Advance HE).

Lara Schibelsky Godoy Piccolo é pesquisadora no Knowledge Media Institute na The Open University no Reino Unido. Lara pesquisa Interação Humano-Computador (IHC) com uma abordagem sócio-técnica considerando como a tecnologia influencia (e transforma!) a vida das pessoas em vários aspectos. É doutora e mestre em IHC pelo Instituto de Computação da UNICAMP. Tem trabalhado em vários projetos de colaboração internacional na Europa, mas seu coração nunca saiu no Brasil.

Como citar esse artigo:
Da Costa-Abreu, M., Piccolo, L. 2020. Igualdade de Gêneros na Academia: Experiência no Reino Unido. SBC Horizontes. ISSN: 2175-9235. Disponível em: http://horizontes.sbc.org.br/index.php/2020/10/igualdade-de-generos-na-academia/

 

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