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Direiro e inovaçao: Uma análise do crowdsourcing legislativo sob a ótica da construção de uma democracia digital

Direiro e inovaçao: Uma análise do crowdsourcing legislativo sob a ótica da construção de uma democracia digital

por Isaías da Silva Moreira de Santana e Janine Praxedes do Nascimento Ribeiro de Andrade

(Especial GEDI)

A democracia passou por adaptações a cada nação e cultura em que adentrava, por meio das quais seus elementos acessórios, como as divisões de funções estatais e formas de manifestação popular, eram transformados, com vistas a atender à necessidade de cada Estado. No entanto, mesmo em meio às suas diferentes facetas, o centro do modelo continuou o mesmo: o poder decisório dos cidadãos, de forma direta ou indireta.

Com o advento das novas tecnologias da informação e comunicação (TICs), especialmente a Internet, perpetuadas pela Revolução técnico-científico-informacional, também conhecida por Indústria 4.0, nota-se que tais mudanças foram intensificadas. A web torna-se, então, meio e instrumento que favorece debates e a participação política, por meio de plataformas online e até mesmo das redes sociais.

O cenário de transformação abriu possibilidades para que um número maior de cidadãos passasse a participar da dinâmica interna do país, discutindo assuntos de interesse geral. Surge, por conseguinte, a ciberdemocracia ou e-democracy, fenômeno que tem ganhado importância a cada dia. Nela, algumas estratégias específicas são utilizadas, como o crowdsourcing.

Busca-se compreender como as TICs impactam o desenvolvimento da democracia digital, partindo da compreensão da experiência dos modelos islandês e inglês e analisando o uso dessas ferramentas na realidade brasileira.

O crowdsourced legislativo: alcance, dimensão e aplicabilidade

O termo crowdsourcing foi utilizado pela primeira vez em Junho de 2006, quando Jeff Howe publicou o artigo “The Rise of Crowdsourcing” (NASCIMENTO, 2013). Derivado da fusão dos vocábulos crowd, entendido como ‘multidão’, e outsourcing, ligado à ‘terceirização’, configura-se como um neologismo que faz referência a uma estratégia de gestão que envolve a terceirização de algumas atividades para a multidão.

Nesse sentido, constitui-se como a atividade ou prática de envolver um grande número de pessoas para desenvolver ideias, produzir conteúdo ou desempenhar tarefas difíceis ou monótonas, por meio de solicitação de ajuda pela internet. Noutras palavras, é o uso da inteligência coletiva como estratégia de terceirização, normalmente utilizada em pesquisas de mercado.

Assim, foi aplicado por muito tempo pela esfera privada, como meio de aperfeiçoar o processo produtivo e, consequentemente, a aceitação de seus produtos e aumento dos lucros. Nos Estados Unidos, a Dell e a Procter & Gamble (P&G), por exemplo, desenvolveram plataformas de crowdsourcing, permitindo que os clientes façam sugestões e emitam opiniões sobre seus produtos. No Brasil, a Ruffles aderiu à técnica com o  projeto “Faça-me um sabor”, assim como a Fiat com o “Carro conceito”.

No entanto, nota-se que uma nova tendência têm se sedimentado: o crowdsourcing começou a ser utilizado como ferramenta de governança, principalmente pelo Poder Legislativo.

Alguns autores se destacam quanto aos estudos relacionados à aplicação do termo à esfera de política estatal, compreendendo-o como uma ferramenta de apoio à democracia (TAEIHAGH, 2017; AJOUZ, 2017). O estudo sobre o tema ainda é embrionário no país, o que reforça a necessidade de abordá-lo. 

Em todo caso, quando aplicado à esfera pública, constitui-se como um método participativo em que os cidadãos estão engajados em todo o processo político. No que diz respeito ao crowdsourcing legislativo per si, os esforços voltam-se para dar legitimidade ao processo de produção das leis, cujo público alvo será justamente os cidadãos. Por isso, a participação deles torna-se fundamental. 

A participacao democrática dos brasileiros através das redes sociais e a cidadania real

A democracia brasileira configura-se como semidireta, com mecanismos como o plebiscito, referendo e iniciativa popular. Os cidadãos participam diretamente nas votações de seus representantes, os quais são os responsáveis – de fato – por definir os rumos do Estado. Por isso, optou-se pela separação dos poderes em 3 vertentes, quais sejam o Executivo, Legislativo e Judiciário, de modo a equilibrar a atuação dos governantes. 

Esse cenário tem sofrido duras críticas nos últimos anos, por causa da atuaçao dos governantes eleitos, tanto na esfera municipal quanto estadual e federal, de cumprir com as promessas de campanha, além dos escândalos de corrupção e a precariedade dos serviços públicos básicos, relacionados à saúde, educação e segurança, exemplificadamente.

Ccompreende-se que as tecnologias de informação e comunicação não só foram essenciais para a expressão da opinião dos cidadãos outrora, mas ainda são imprescindíveis para o fortalecimento da democracia participativa.

A democracia digital no Brasil ainda enfrenta alguns óbices que impedem sua plena realização, visto que trata-se de um processo de médio a longo prazo até que de fato sejam fixadas as balizas que garantam de forma perene o bom uso dessa ferramenta como expressão da consciência político-coletiva.

A participação virtual e o exercício da cidadania: as plataformas “E-democracia e E-cidadania”

O portal E-democracia foi concebido em junho de 2009 pela Câmara dos Deputados, sendo palco inicial de duas importantes discussões com a sociedade através das comunidades legislativas virtuais, quais sejam: um projeto de lei sobre a Política de Mudança do Clima e outro sobre o Estatuto da Juventude, tal fato incentivou a criação de novas comunidades e o projeto foi institucionalizado no ano de 2013 com o advento do Laboratório Hacker, visto que houve um expressivo interesse da sociedade em participar ativamente das proposições (EDEMOCRACIA).

A plataforma passou por significativa modulação de suas ferramentos em 2016, possibilitando o surgimento do portal tal qual existe atualmente, sendo, subsequentemente, firmado uma parceria entre as duas casas do Congresso Nacional para distribuição da ferramenta via interlegis (outro importante recurso) no ano de 2018, perpassando seu legado de sucesso às demais plataformas tecnológicas oferecidas pelo programa em todo o Brasil, alcançando cerca de 1.700 casas legislativas.

A ferramenta já faz parte do dia a dia de muitos brasileiros, que participam ativamente das discussões, divulgam o conteúdo das propostas legislativas em suas redes sociais e conclamam os demais cidadãos para que contribuam com suas opiniões, se posicionem sobre projetos em discussão, e assim o exercício da cidadania se torna cada vez mais presente no contexto virtual, embora saibamos dos desafios, é possível e preciso que sejamos otimistas com o aumento constante dessa participação, já cientes das dificuldades típicas do processo.

A iniciativa E-Cidadania do Senado Federal foi dividida em três eixos ou instrumentos.

  • O primeiro eixo ou instrumento é a “Ideia Legislativa”, que possibilita com que ideias que receberem 20 mil apoios sejam encaminhadas à Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa da Casa (CDH), onde receberão parecer e poderão ser convertidas em lei após o processo legislativo hodierno.
  • O segundo e terceiro eixos ou instrumentos são o “Evento Interativo”, que possibilita a participação nos eventos abertos na Casa, sendo possível manifestar-se no espaço específico destinado para esse fim na transmissão; e a “Consulta Pública”, onde é possível que os cidadãos opinem sobre os proposições normativas em tramitação no Senado Federal, em todas as fases do processo legislativo. 

Assim, embora tais iniciativas ainda se revelem tímidas no alcance do público, vetor indispensável no contexto democrático, elas não deixam de ser da máxima importância como um mecanismo de “terceirização para a multidão” da construção legislativa nacional, ou seja, figuram como exemplos positivos do crowdsourcing legislative no cenário político-jurídico brasileiro, recebendo, inclusive, prêmios internacionais pelo seu pioneirismo, sendo certo que a expansão dessa rede participativa é um aporte elementar para a estruturação e sedimentação da vontade política exercida virtualmente, colaborando para consolidação de uma democracia digital.

Referências

NASCIMENTO, A.; HEBER, F.; LUFT, M. C. O uso do crowdsourcing como ferramenta de inovação aberta: uma categorização à luz da teoria de redes interorganizacionais. Revista Gestão Organizacional, vol. 6, n.o 02. Chapecó: 2013, p. 86.

TAEIHAGH, Araz. Crowdsourcing – a new tool for policy-making?. Policy Sciences Journal, v. 50, n 4, p. 629-647, 2017. Disponível em: https://link.springer.com/article/10.1007/s11077-017-9303-3. Acesso em: 09 jan. 2022. P. 631.

AJOUZ, Igor. Redes sociais e crowdsourcing constitucional: a influência da ciberdemocracia sobre a gênese e a interpretação de normas constitucionais. Revista Brasileira de Políticas Públicas, v.  7, nº 3, dez. 2017, p. 618-632.

EDEMOCRACIA. Uma plataforma inovadora de transparência e participação popular. Disponível em:<http://www.edemocracia.leg.br/>. Acesso em 10 de janeiro de 2022.

Sobre os autores

Isaías da Silva Moreira de Santana é graduando em Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Secretário-Geral do Núcleo de Pesquisa em Direito Internacional (NUPEDI/UFRN). Bolsista de Iniciação Científica (PIBIC/UFRN). E-mail: isaiasmoreirajuris@gmail.com.

Janine Praxedes do Nascimento Ribeiro de Andrade é graduanda em Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Membro do Núcleo de Estudos em Direito Digital (NEDDIG/UFRN). E-mail:janinejp2010@gmail.com.

Como citar esta matéria

SANTANA, Isaías; ANDRADE, Janine. Direiro e inovaçao: Uma análise do crowdsourcing legislativo sob a ótica da construção de uma democracia digital. SBC Horizontes, SBC Horizontes, Janeir 2022. ISSN 2175-9235. Disponível em: <http://horizontes.sbc.org.br/index.php/2022/01/direiro-e-inovacao-uma-analise-do-crowdsourcing-legislativo-sob-a-otica-da-construcao-de-uma-democracia-digital/>. Acesso em:<data>

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