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Mulheres na Computação no Brasil: histórias e memórias de Cláudia Werner

Mulheres na Computação no Brasil: histórias e memórias de Cláudia Werner

Por Alice Fonseca Finger, Aline Vieira de Mello, Amanda Meincke Melo e Clevi Elena Rapkiewicz

Este texto traz histórias e memórias de Cláudia Werner, primeira mulher homenageada (2006) pela Comissão Especial de Engenharia de Software da Sociedade Brasileira de Computação (SBC). Nele são abordadas informações sobre sua família de origem, família constituída, formação escolar (desde a educação básica até a pós-graduação) e mercado de trabalho. Este texto faz parte do e-book Mulheres na Computação no Brasil: histórias e memórias que traz depoimentos de oito mulheres com contribuições significativas na área da Computação, com o intuito de servir de inspiração para as atuais e futuras gerações. 

Cláudia Werner, caçula com mais dois irmãos, nasceu na cidade do Rio de Janeiro (RJ). Filha de pai militar, oficial da Marinha do Brasil, morou em vários lugares, tanto no Brasil como no exterior, acompanhou as transferências profissionais do pai. A mãe era professora, inicialmente normalista e, depois pedagoga. Cláudia relata que a influência da mãe em sua escolha profissional se deu ao contrário, pois ver a mãe não a motivava a ser professora. Assim, jurava que nunca seguiria nessa área. Porém, acabou se tornando professora e pesquisadora na área da Computação. 

Conta também que passou sua infância no estado do Rio de Janeiro, tanto na capital quanto em Angra dos Reis, cidade litorânea no sul do estado. Relembra de uma infância muito animada e envolvida nas brincadeiras dos meninos, como soltar pipa, jogar bola de gude e futebol. Menciona que, no que tange às tarefas domésticas, nem ela nem os irmãos colaboravam, pois havia pessoas na casa responsáveis por essas atividades, o que Cláudia reconhece ser um privilégio. Embora percebesse uma certa tendência dos pais de lhe “paparicar” por ela ser menina e a caçula, ela preferia ser tratada da mesma forma que os irmãos. 

Sobre seu tempo na educação básica, destaca que, como se mudava muito em função da profissão do pai, estudou pouco tempo nos lugares e não chegou a observar diferenciações de gênero. Desse período na educação básica, lembra-se de ser muito estudiosa, mas não considera que tenha havido alguma matéria que tenha tido algum tipo de destaque ou importância maior. Ela sonhava em ser veterinária, porque adorava bichos e queria cuidar deles. Porém desistiu da ideia quando, na escola, durante uma aula de ciências, a turma abriu um camundongo e ela passou mal. Também chegou a se imaginar trabalhando na NASA, a partir da influência da televisão, quando mostrou a chegada do homem na lua. 

Em seu curso equivalente ao ensino médio, que fez na Inglaterra, realizou muitas atividades em laboratórios de Física e Química, que influenciaram a sua trajetória e a dos irmãos, pois um fez Economia e outro Engenharia. Lamenta que nos anos em que estudou no Brasil nunca tenha entrado nos laboratórios de Ciências, ainda que eles fossem previstos no currículo. Essas vivências, mais o auxílio do pai em Matemática e da mãe em Língua Portuguesa, ajudaram-na a obter boa pontuação no vestibular, garantindo a entrada no curso de Informática. Essa escolha foi motivada por primas que já faziam cursos dessa área e apoiada pelo pai que almejava que a filha fosse engenheira. Embora Cláudia não soubesse muito bem o que era abordado no curso, ela decidiu cursá-lo porque tinha relação com a Matemática, o que lhe interessava. 

Menciona que a transição de uma escola de educação básica para uma graduação é sempre complicada, e que, em uma universidade grande como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), os alunos precisavam e precisam ser bastante autônomos em suas aprendizagens. Em sua turma de ingresso, a quantidade de mulheres no curso era paritária à quantidade de homens. Durante a graduação, com interesse em terminar o curso o quanto antes, Cláudia começou a antecipar disciplinas, o que a levou a se distanciar um pouco de sua turma de ingresso no ensino superior. Em termos pessoais, ela destaca que não percebeu discriminação de gênero na educação básica ou na graduação, mas cogita que talvez tenha tido certa cegueira para esses episódios ou, outra hipótese, possa ter tido sorte de estudar em ambientes não tão discriminatórios em questões de gênero.

A opção pelo mestrado surgiu novamente através das primas, mas também por frequentar a Ilha do Fundão, em um centro de pesquisas da Petrobrás que fica dentro do Campus da UFRJ. Logo teve oportunidade de ir para o exterior, em um doutorado direto, no CERN, na Suíça, o que considera próximo da NASA, relembrando seus anseios quando criança. A conclusão do doutorado não foi exatamente um plano pré-definido de ser professora ou cientista, mas acabou acontecendo, pois ao tentar inserção no mercado de empresas percebeu que ficaria muito tempo com as mesmas tecnologias e tipos de atividades, e que a vida acadêmica era mais ampla. 

Durante o doutorado, como entrou na área de Banco de Dados, havia somente professores homens. Contudo, como pesquisava reutilização de software, tinha interface com uma professora de Engenharia de Software, área para a qual fez concurso e atua até hoje. Salienta que, entre os vários programas de pós-graduação na área de Exatas da UFRJ, aquele onde atua é um dos que possui mais mulheres, e muitas pioneiras como Sueli Mendes, Celina Miraglia Figueiredo e Scheila Veloso. Levanta a hipótese de que essa maior presença de mulheres era por sua origem na Matemática. Relata não ter havido nem competição nem sororidade entre mulheres no local onde trabalha, devido à segmentação das áreas de atuação. 

No que concerne à influência da maternidade em sua vida acadêmica, Cláudia menciona que teve filhos somente após o término do doutorado. Teve o segundo filho quatro anos após ter tido a primeira. Fala da importância de rede de apoio, pessoas e serviços, como divisão de tarefas domésticas, escolas de tempo integral para poder dar conta do trabalho, incluindo viagens para eventos e congressos. Conseguia atender às demandas com a primeira filha na escola em tempo parcial, mas com dois filhos percebeu que não era uma organização possível. Recorda que nessa época pesava a qualidade do tempo com os filhos, não somente a quantidade; que muitas vezes, em finais de semana, colocava as crianças para dormir e continuava trabalhando para atender datas de entrega de artigos e projetos; e que lidar com o sentimento que poderia ter feito mais e acompanhado mais de perto o crescimento dos filhos foi difícil para ela.

Sobre suas vivências em chefia, direção ou gestão, enfatiza que na Universidade a questão da hierarquia é mais fluida. Ocupou cargo de direção com outras mulheres, o que considera uma experiência excelente. Nesses cargos teve a oportunidade de levantar a questão de gênero em números e perceber a ausência de mulheres em vários cursos de Engenharia da UFRJ, o que a levou a criar, ao final de sua gestão, um grupo de apoio a mulheres. Cláudia considera que a partir dessas experiências, de ser inclusive a única mulher muitas vezes em mesas de diretoria, e o fato de participar de eventos nos quais pôde ouvir a voz de outras mulheres, como Márcia Barbosa, física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), tem mais sensibilidade para as questões de gênero, a ponto de olhar para trás e se questionar “ok, eu cheguei, mas quem mais chegou?”

Na época de sua graduação, Cláudia não percebia tanto, mas hoje parece mais evidente que o público feminino está menor nos cursos da área das exatas e isso se deve pela falta de incentivo desde a educação básica. Ela costuma dizer que o incentivo não remete somente aos pais ou à família, mas à sociedade em si, a partir dos exemplos, dos modelos de referência. Considera importante narrativas de mulheres da área, brasileiras e internacionais, para que seja percebido que, na história da Computação, as mulheres têm, sim, um papel relevante.

Cláudia usa um termo interessante, retirado de palestras de Márcia Barbosa, para se referir à questão de gênero na trajetória profissional de mulheres: “picada de mosquito”. Ela diz que, durante a vida, nós mulheres sofremos com várias picadinhas de mosquito, como aquela brincadeira de mau gosto em uma reunião de departamento, ou uma referência no corredor sobre a forma como uma mulher está trajada. Essas picadinhas de mosquitos incomodam por um tempo, mas isso passa. Porém, depois de muitas picadas, aquilo começa a perturbar até que percebemos que algo está errado. Para docentes, Cláudia destaca que há coisas simples que podem ser feitas na vida acadêmica, como buscar a equidade de gênero nas mesas de eventos e comitês de programas e questionar as coordenações, quando esse critério não for observado. Para meninas e mulheres, Cláudia enfatiza que é necessário respirar fundo, gostar do que se faz, ter objetivos e ter planos.

Para mais informações, acesse:

 

Acesse o e-book Mulheres na Computação no Brasil: histórias e memórias na íntegra: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/266567  

Acesse a transmissão online Mulheres na Computação no Brasil: Engenharia de Software, disponível no canal YouTube do programa de extensão Programa C, em https://www.youtube.com/live/YjXDGNdIMfo

 

Acesse a página “Cláudia Werner”, do Projeto ENIGMA, em https://www.ufrgs.br/enigma/claudia-werner/

Autoria


Alice Fonseca Finger. Professora adjunta na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), onde exerce a docência no Campus Alegrete desde 2014. É Bacharela em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Mestra e Doutora em Ciência da Computação pela mesma Universidade. Participa como equipe executora das ações de extensão do Gurias na Computação, projeto parceiro do Programa Meninas Digitais da Sociedade Brasileira de Computação. É líder do grupo de pesquisa Laboratory of Intelligent Software Engineering (LabISE). A Matemática sempre foi sua matéria preferida durante o ensino fundamental e médio. Na Computação, não foi diferente: é apaixonada pelas disciplinas matemáticas e teóricas. Currículo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/2691501072064698
Aline Vieira de Mello. Professora adjunta na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), onde exerce a docência no Campus Alegrete desde 2011. É Bacharela e Mestra em Ciência da Computação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutora em Ciência da Computação pela Sorbonne Université. Coordenadora do programa de extensão Programa C e do projeto de extensão Motus – Movimento Literário Digital. Participou da concepção da ação de extensão Gurias na Computação, projeto parceiro do Programa Meninas Digitais da Sociedade Brasileira de Computação, na qual atua até hoje. Coordena o projeto de pesquisa Egress@s – coleta, disponibilização e visualização de dados. Desde pequena gostava de estudar e, mesmo sem saber ligar um computador, escolheu fazer o ensino médio técnico em informática. Teve um ótimo desempenho e se apaixonou. Considera que sua trajetória é fruto de bastante dedicação e uma dose de sorte. Optou pela docência porque queria que seu trabalho fizesse diferença na vida das pessoas. É casada e mãe da Maria Fernanda, do Henrique (in memorian) e da Elisa. Currículo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/7822927936432169
Amanda Meincke Melo. Professora associada na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), onde exerce a docência no Campus Alegrete desde 2009. É Bacharela em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Mestra e Doutora em Ciência da Computação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É também Licenciada em Letras-Português pela UNIPAMPA. Participou da concepção da ação de extensão Gurias na Computação, projeto parceiro do Programa Meninas Digitais da Sociedade Brasileira de Computação, na qual atua até hoje. É líder do grupo de pesquisa Grupo de Estudos em Informática na Educação (GEInfoEdu), coordenadora projeto de ensino GEIHC – Grupo de Estudos em Interação Humano-Computador e do programa de extensão TRAMAS, acrônimo para Tecnologia, Responsabilidade, Autoria, Movimento, Amorosidade e Sociedade. Desde muito pequena aprendeu a gostar de Matemática e de jogos de tabuleiro. Na pré-adolescência, foi apresentada ao mundo dos jogos digitais. Currículo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/3659434826954635
Clevi Elena Rapkiewicz. Professora de Computação há mais de três décadas, em todos os níveis de ensino (educação básica, educação técnico-profissional, ensino superior e pós-graduação). Atuou em duas instituições públicas, a Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Duplamente graduada (Tecnologia em Processamento de Dados pela UFRGS e Pedagogia pela UERJ), é mestra e doutora pela COPPE/UFRJ na linha de pesquisa Informática e Sociedade. Estruturou o projeto de extensão ENIGMA – Mulheres na Computação em 2014. Fundou, em 2022, o Espaço ENIGMA visando ações voltadas para visibilidade de mulheres na área de Computação. Seus pais não concluíram sequer o primário, mas sempre valorizaram o estudo. Egressa de escola pública estadual sempre viu na Educação uma forma de transformar a sociedade. Currículo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/0588660330634011

Como citar este artigo

FINGER, Alice Fonseca; MELLO, Aline Vieira de; MELO, Amanda Meincke; RAPKIEWICZ, Clevi Elena. Mulheres na Computação no Brasil: histórias e memórias de Claudia Werner. SBC Horizontes, fevereiro de 2024. ISSN 2175-9235. Disponível em: https://horizontes.sbc.org.br/index.php/2024/02/mulheres-na-computacao-no-brasil-historias-e-memorias-de-claudia-werner/. Acesso em: DD mês AAAA.

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