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Mulheres na Computação no Brasil: histórias e memórias de Liane Tarouco

Mulheres na Computação no Brasil: histórias e memórias de Liane Tarouco

Por Alice Fonseca Finger, Aline Vieira de Mello, Amanda Meincke Melo e Clevi Elena Rapkiewicz

As mulheres brasileiras também fazem Computação e Liane Tarouco é uma delas. Liane, a única mulher brasileira no Hall  da Fama da Internet, tem sua trajetória profissional e pessoal contada no e-book Mulheres na Computação no Brasil: histórias e memórias que traz histórias de oito mulheres com contribuições significativas na área da Computação, com o intuito de servir de inspiração para as atuais e futuras gerações. A autora do primeiro livro brasileiro sobre comunicação de dados conta sua trajetória pessoal, na qual destaca seus múltiplos papéis, de mãe, esposa, professora e pesquisadora.

Liane nasceu em uma cidade pequena, chamada Cerro Largo, no estado do Rio Grande do Sul (RS). A cidade de Estrela, também no RS, onde cresceu, era o seu pátio. Liane vem de uma família de cinco irmãs, mas com idades e destinos diferentes.

Ela e sua irmã mais nova cresceram juntas, pois as irmãs mais velhas já atuavam em outras cidades e uma faleceu prematuramente. Brincavam de tudo, inclusive com brinquedos ditos “de meninos”, tais como bola, bicicleta e ferramentas de serralheria. Liane teve uma infância bem ativa, fazendo coisas que a mãe nem imaginava. Subiam em árvores, fugiam de casa para tomar banho de rio. Brincava com as ferramentas do pai e, ao invés de brincar com bonecas, construía casinhas para as bonecas. Isso lhe deu a oportunidade de criar, capacidade de iniciativa e busca de soluções. Seus pais nunca limitaram seus brinquedos, podiam brincar de tudo, mesmo sendo meninas. Foi uma infância que lhe traz boas recordações.

Seu pai, como contador, era fiscal da receita, e tinha o sonho de que ela se tornasse professora. Ela, contudo, nunca pensou em seguir essa profissão: jurava que nunca ia ser professora, pois, na época, dizia que odiava. Sua mãe cresceu na colônia (zona rural) e cursou até o primário apenas, mal sabia falar português, pois sua formação foi em alemão. Por sua vez, a mãe queria que ela cursasse enfermagem, economia doméstica, ou seja, profissões mais vistas como “de mulheres”.

Aos 18 anos, começou a trabalhar num banco. Trabalhava pela manhã e, à noite, fazia o Científico, numa época na qual o então segundo grau, hoje ensino médio, era dividido em Clássico, para quem queria seguir na área de Humanas, e Científico, para a área de Ciências Exatas. Sua mãe não entendia muito bem o que ela estava estudando e, quando perguntou o que falaria caso os parentes perguntassem sobre seu estudo, ela disse: “mãe, diz que eu estou aprendendo a fazer bomba atômica”.

Começou a graduação em Física na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) com a motivação de um dia trabalhar na National Aeronautics and Space Administration – Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (NASA). Durante o curso de graduação, teve uma doença grave e ficou afastada dos estudos por 6 meses. Quando estava recuperada, avaliou que não queria se formar em mais de 4 anos, então trocou o bacharelado por licenciatura.  Na metade da graduação, foi fazer um curso de Computação e, quando teve seu primeiro contato com um computador e soube o que era programação, apaixonou-se, sabendo que era isso que ela queria para o resto da vida dela.

Liane formou-se em Física para ter um curso de ensino superior, mas já estava totalmente envolvida com programação, inclusive realizava trabalhos freelancer para outros professores. Tinha quatro empregos quando terminou a faculdade. Então, veio o questionamento: O que fazer agora? Mestrado em Física? Não era bem o que queria, pois envolvia muita matemática, modelagem e termodinâmica. Foi quando se inscreveu em um processo seletivo do Centro de Processamento de Dados (CPD) da UFRGS e começou a dar aulas de programação na linguagem Fortran para Engenharia. Naquela época, era contratada como professora, mas também fazia análise de sistemas, programação, além de implementar sistemas usados para matrícula de alunos da universidade. Iniciou o Tecnólogo em Processamento de Dados na UFRGS em 1973, no qual atuou como professora. Foi nessa época que também ingressou no mestrado em Ciência da Computação, recém iniciado na UFRGS.

Durante o mestrado, fez muitos cursos extras e teve a oportunidade de viajar ao exterior e conhecer a área de Redes de Computadores, pela qual se interessou. De uma continuidade da sua dissertação, desenvolveu o primeiro livro texto de muitas disciplinas de Redes e Comunicação de Dados no país.

No doutorado, já tinha dois filhos e marido. Mesmo com a oportunidade de realizá-lo fora do país, optou por estar ao lado da família e cuidar dos filhos pequenos, sendo sua escolha pela Universidade Estadual de São Paulo (USP). Mesmo assim, teve a oportunidade de participar de muitos congressos importantes e conhecer tecnologias que estavam sendo lançadas, como a primeira placa de rede wifi.

Esteve à frente de vários cargos de gestão, e sempre teve muitos alunos orientandos. Sendo pesquisadora, professora, mãe, como conciliar tanta produção com vida pessoal e social e incentivar meninas a permanecer na Computação? Segundo Liane, “a gente não pode ter tudo” e, então, decidiu investir em apoio doméstico para dar conforto à família. Seu trabalho era como uma terapia, inclusive na época em que esteve internada em hospital: trabalhava para passar mais rápido aquele tempo. Segundo ela, os inúmeros artigos só foram possíveis porque tinha alunos excelentes, os quais sempre foram desafiados e respondiam à altura. Não importa se é homem ou mulher, todos têm seus problemas domésticos e, mesmo sendo muito exigente e “dura”, mesmo fisicamente cansada, sabia que não devia parar.

Liane nunca percebeu discriminação por ser mulher, provavelmente porque naquele tempo havia ainda um equilíbrio entre quantidade de homens e mulheres nos cursos de Computação. Porém, sempre que via meninas inscritas na seleção de mestrado e doutorado, tentava incentivar e ajudar para que continuassem na área da Computação.

Considera-se uma mulher que sempre foi curiosa e buscou soluções para os problemas, muito dedicada à sua carreira e vida pessoal, sempre conseguindo conciliar as duas missões com sabedoria.             Sua filha mais velha dizia que a mãe trabalhava demais, então decidiu cursar Direito. A mais nova concluiu o curso de Design e atua na área. Ou seja, influenciar os filhos nem sempre funciona – eles têm vida própria.

Para mais informações, acesse:


Acesse o e-book Mulheres na Computação no Brasil: histórias e memórias na íntegra: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/266567  


Acesse a transmissão online Mulheres na Computação no Brasil: Redes de Computadores, disponível no canal YouTube do programa de extensão Programa C, em https://www.youtube.com/live/UYFPprQYS6s?si=CNGHF9t8B-tbNFnP


Acesse a página “Liane Tarouco”, do Projeto ENIGMA, em https://www.ufrgs.br/enigma/liane-tarouco/ 

Autoria

 

Alice Fonseca Finger. Professora adjunta na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), onde exerce a docência no Campus Alegrete desde 2014. É Bacharela em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Mestra e Doutora em Ciência da Computação pela mesma Universidade. Participa como equipe executora das ações de extensão do Gurias na Computação, projeto parceiro do Programa Meninas Digitais da Sociedade Brasileira de Computação. É líder do grupo de pesquisa Laboratory of Intelligent Software Engineering (LabISE). A Matemática sempre foi sua matéria preferida durante o ensino fundamental e médio. Na Computação, não foi diferente: é apaixonada pelas disciplinas matemáticas e teóricas. Currículo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/2691501072064698 

 

Aline Vieira de Mello. Professora adjunta na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), onde exerce a docência no Campus Alegrete desde 2011. É Bacharela e Mestra em Ciência da Computação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutora em Ciência da Computação pela Sorbonne Université. Coordenadora do programa de extensão Programa C e do projeto de extensão Motus – Movimento Literário Digital. Participou da concepção da ação de extensão Gurias na Computação, projeto parceiro do Programa Meninas Digitais da Sociedade Brasileira de Computação, na qual atua até hoje. Coordena o projeto de pesquisa Egress@s – coleta, disponibilização e visualização de dados. Desde pequena gostava de estudar e, mesmo sem saber ligar um computador, escolheu fazer o ensino médio técnico em informática. Teve um ótimo desempenho e se apaixonou. Considera que sua trajetória é fruto de bastante dedicação e uma dose de sorte. Optou pela docência porque queria que seu trabalho fizesse diferença na vida das pessoas. É casada e mãe da Maria Fernanda, do Henrique (in memorian) e da Elisa. Currículo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/7822927936432169

 

Amanda Meincke Melo. Professora associada na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), onde exerce a docência no Campus Alegrete desde 2009. É Bacharela em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Mestra e Doutora em Ciência da Computação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É também Licenciada em Letras-Português pela UNIPAMPA. Participou da concepção da ação de extensão Gurias na Computação, projeto parceiro do Programa Meninas Digitais da Sociedade Brasileira de Computação, na qual atua até hoje. É líder do grupo de pesquisa Grupo de Estudos em Informática na Educação (GEInfoEdu), coordenadora projeto de ensino GEIHC – Grupo de Estudos em Interação Humano-Computador e do programa de extensão TRAMAS, acrônimo para Tecnologia, Responsabilidade, Autoria, Movimento, Amorosidade e Sociedade. Desde muito pequena aprendeu a gostar de Matemática e de jogos de tabuleiro. Na pré-adolescência, foi apresentada ao mundo dos jogos digitais. Currículo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/3659434826954635 

 

Clevi Elena Rapkiewicz. Professora de Computação há mais de três décadas, em todos os níveis de ensino (educação básica, educação técnico-profissional, ensino superior e pós-graduação). Atuou em duas instituições públicas, a Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Duplamente graduada (Tecnologia em Processamento de Dados pela UFRGS e Pedagogia pela UERJ), é mestra e doutora pela COPPE/UFRJ na linha de pesquisa Informática e Sociedade. Estruturou o projeto de extensão ENIGMA – Mulheres na Computação em 2014. Fundou, em 2022, o Espaço ENIGMA visando ações voltadas para visibilidade de mulheres na área de Computação. Seus pais não concluíram sequer o primário, mas sempre valorizaram o estudo. Egressa de escola pública estadual sempre viu na Educação uma forma de transformar a sociedade. Currículo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/0588660330634011

Como citar este artigo

FINGER, Alice Fonseca; MELLO, Aline Vieira de; MELO, Amanda Meincke; RAPKIEWICZ, Clevi Elena. Mulheres na Computação no Brasil: histórias e memórias de Liane Tarouco. SBC Horizontes, março de 2024. ISSN 2175-9235. Disponível em:  https://horizontes.sbc.org.br/index.php/2024/04/mulheres-na-computacao-no-brasil-historias-e-memorias-de-liane-tarouco/. Acesso em: DD mês AAAA.

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