>

Mulheres na Computação no Brasil: histórias e memórias de Glória Guimarães

Mulheres na Computação no Brasil: histórias e memórias de Glória Guimarães

Por Alice Fonseca Finger, Aline Vieira de Mello, Amanda Meincke Melo e Clevi Elena Rapkiewicz

 

As mulheres brasileiras também fazem Computação e Glória Guimarães é uma delas. Glória tem sua trajetória profissional e pessoal contada no e-book Mulheres na Computação no Brasil: histórias e memórias que traz histórias de oito mulheres com contribuições significativas na área da Computação, com o intuito de servir de inspiração para as atuais e futuras gerações. Sonhando em ser física nuclear, Glória conta sua trajetória pessoal, destacando a família de origem, na qual as mulheres predominavam e sua trajetória profissional, uma carreira de diversas experiências, chegando a assumir cargos de gestão na área de TI, tanto no setor público quanto no privado.

Maria da Glória Guimarães dos Santos, mais conhecida como Glória Guimarães, filha de pai militar e mãe funcionária pública, nasceu em Rio Branco, estado do Acre, cidade que lhe traz ótimas recordações. Teve uma infância tranquila e de brincadeiras, como toda menina: brincava de boneca, de bola, de pique-esconde com as meninas e meninos que moravam na mesma rua. Nunca percebeu, nem nunca lhe chamaram atenção, de forma clara, sobre as brincadeiras serem de menino ou de menina, sendo tudo muito divertido!

Na família, também não havia essa diferenciação. Eram três irmãs e a mãe, portanto as mulheres eram maioria. Além disso, a mãe sempre trabalhou fora e as incentivou a serem independentes financeira, profissional e emocionalmente. Ouviu muitas vezes a mãe dizer que “mulher tem que estudar, ter seu trabalho para não depender de homem” e o pai dizia que o melhor que poderia dar eram os estudos para que as filhas pudessem ter seus próprios recursos.

Quando questionada sobre ter brincado de casinha ou de boneca, confirmou tê-lo feito também. No entanto, fez a ressalva de que é preconceituoso delimitar que a menina só brinca de determinado tipo de brincadeira. Afinal, as pessoas têm gostos, vontades e pendores diferentes.

Interessante que a mãe dela tinha uma preocupação tão grande para que as filhas estudassem e se formassem que assumia a maior parte das tarefas de casa, apesar de Glória ter visto muitas vezes o pai ajudar.

O pai militar teria influenciado a filha Glória, caso pudesse, a ter feito concurso para as Forças Armadas. Porém, na época não era permitido o ingresso de mulheres, exceto por formação na área de Saúde, muito raras à época. Glória acredita que os pais gostariam que ela fosse funcionária do Banco do Brasil, o que de fato se concretizou.

Hoje ela fala da importância de mostrar e fazer, no dia a dia da família, a divisão de tarefas, que não precisa ser algo determinado, mas sim uma coisa natural de pessoas que convivem num modelo de colaboração. Assim, há possibilidade de todos crescerem.

Glória continuou estudando e se destacando na área de Exatas, pois sempre gostou muito, chegando a sonhar em ser física nuclear ou engenheira, pois era encantada com as possibilidades que esses estudos poderiam proporcionar ao mundo em matéria de inovação. Recorda que, na escola, na quinta série, tinha um professor de Matemática maravilhoso, que a instigava a resolver problemas de uma maneira diferente da solução que ele apresentava para a turma. Essa forma de pensar diferente também se manifestou mais tarde, na fase adulta, quando era programadora: diziam que ela tinha uma lógica invertida, pois resolvia os problemas de baixo para cima. Esse seu jeito próprio de entender a ajudava a aprender de forma mais rápida e inovadora, além de ajudar outras pessoas que tinham dificuldade na área de Exatas, pois ela percebia que muitas meninas tinham dificuldade.

Na hora de resolver que curso de graduação iria fazer, já que não havia Física Nuclear na Universidade de Brasília (UnB), optou por Tecnologia em Processamento de Dados, pois chamou sua atenção a possibilidade de trabalhar com computadores. Sua turma era composta metade por mulheres e metade por homens. Nesse ambiente, nunca percebeu distinção em decorrência do gênero. A chefe de departamento, inclusive, era mulher e durante o curso muitas mulheres foram destaque. Porém, havia mais professores homens, pois muitos eram da área de Engenharia.

O início de sua carreira no Banco do Brasil (BB) ocorreu logo após seu ingresso na Universidade e, até chegar ao cargo de diretora de Tecnologia de Informação (TI) do banco, atuou em áreas variadas.

Diferentemente do ambiente universitário, no mercado de trabalho, percebeu outra realidade em relação à representatividade dos gêneros, segundo ela, possivelmente pelo esforço e disponibilidade que a área exigia. Para que pudesse atuar e se desenvolver profissionalmente, o apoio do marido e da família nas tarefas domésticas e cuidado com os três filhos fez toda a diferença. Foram anos bastante duros, de muito sacrifício e compreensão familiar, pois muitas vezes foi necessário virar noites no trabalho, ocorrência natural na área de Tecnologia. Glória lembra que sempre conversava com seus filhos, mostrando que esses momentos difíceis eram necessários para que a família pudesse prosperar em todos os sentidos. Ela lembra que conversava com alguma frequência com os filhos, Felipe, Renata e Ricardo sobre essas ausências, que seria algo bom para toda a família. Lembra que, em uma conversa com seu filho mais velho, Felipe (in memorian), sobre isso, ele teria dito: “mãe, a gente sente falta, mas sabe que tudo que você faz é para que tenhamos uma vida melhor e para que você seja feliz também. E saiba que temos muito orgulho de você.”.

Glória enfatiza que, há mais de 25 anos, era bem mais complicado se organizar, porém destaca que, com o avanço das tecnologias e a possibilidade do trabalho remoto, fica mais fácil equilibrar a vida profissional com a pessoal, pois permite que se possa trabalhar de casa, dividindo melhor as tarefas. No entanto, as questões de gênero nunca interferiram na criação de seus filhos, a qual se deu de forma igualitária, ou seja, todos faziam tudo. Além disso, vivenciaram a rotina de sua mãe. Nesse sentido, observa que barreiras devem ser quebradas: “Meninas se não quiserem usar lacinho não precisam e meninos podem usar salto alto se quiserem.”. Afirma que meninas e meninos podem ser o que quiserem ser, o que importa é ser feliz.

Sempre com muito trabalho e habilidades que considera importantes para o mundo corporativo, como liderança e comunicação dentre outros, teve experiências bem diversificadas no mundo corporativo, assumindo cargos de gestão com grandes responsabilidades na área de TI, tanto no setor público quanto no privado. Pôde perceber, ao longo de sua carreira, diferenças no tratamento de homens e de mulheres: homens recebem muitos elogios, enquanto mulheres precisam demonstrar resultados muito maiores para se igualar. As mulheres precisam falar muito mais vezes a mesma coisa para serem ouvidas e terem seus pontos de vista acolhidos. Mulheres, em diferentes ocasiões, precisam se posicionar de uma forma mais dura do que fariam normalmente para serem ouvidas e respeitadas, embora também seja necessária sensibilidade no trato com as pessoas. Desse modo, observa: “Às vezes você até precisa ser um pouco mais dura e mais incisiva para poder ser ouvida quando é uma mulher, já que as pessoas têm muito mais dúvidas e receios em relação ao seu trabalho. É importante se posicionar de forma firme e forte muitas vezes para não correr o risco de não ser ouvida dependendo do universo masculino que está ouvindo. E se prepare, eles sempre irão te confrontar, por mais que você tenha razão.”.

Para chegar aonde chegou, Glória Guimarães sonhou, visualizou, estudou, aproveitou as oportunidades e trabalhou incansavelmente. Não se arrepende de suas escolhas, gosta muito daquilo que faz e, com alguma nostalgia, lembra-se do dia em que passou no concurso e foi tomar posse, olhou para o prédio mais importante da Empresa e se viu num cargo importante lá, sendo exatamente o que aconteceu tempos depois.

Como profissional de TI sempre atuou para ter mais mulheres em suas equipes, nunca por serem só mulheres, mas por serem competentes e capacitadas para assumir cargos. Afinal, existem muitas mulheres e uma tem que puxar a outra. Estimulou a criação de programas que garantiam a participação de mulheres na área de TI, como por exemplo o programa Meninas de TI, que ia até as escolas estimular o ingresso de meninas no mercado. Hoje atua como conselheira do Grupo Mulheres do Brasil – Núcleo Distrito Federal e como conselheira de empresas, estimula programas de ESG (do inglês, Enviroment, Social and Governance).

Entre as várias áreas da Computação, destaca a Inteligência Artificial (IA), considera que esta é a inteligência humana colocada na máquina. Assim, se o ser humano tem preconceitos, ele vai ensinar a máquina o que ele sabe. Propõe, assim, que o mindset humano deve ser modificado, o que deve ser feito nas escolas e na educação em casa: “Independente do sexo, você pode fazer e ser o que quiser e isso deve ser ensinado para os nossos filhos em nossa casa e na educação pública para todos.”.

Sobre mulheres na chefia, Glória destaca que homens e mulheres têm preconceito e as mulheres em cargos de chefia podem contribuir para a redução desse preconceito, realizando ações e obtendo bons resultados. Para ela, mulheres são competentes e capacitadas e, portanto, devem ocupar espaços de liderança.

Para Glória, a Educação é o caminho, aliás, a tecnologia aliada à educação é um caminho para sair da condição de pobreza. Deve-se, assim, investir em Educação para que todos tenham oportunidades. Cursos de Tecnologia ainda são muito caros e podem ser uma barreira para avançar na área, mas as Universidades públicas já facilitam muito.

 

Para mais informações, acesse:

O atributo alt desta imagem está vazio. O nome do arquivo é qr1.png

 

Acesse o e-book Mulheres na Computação no Brasil: histórias e memórias na íntegra:Acesse o e-book Mulheres na Computação no Brasil: histórias e memórias na íntegra: https://lume.ufrgs.br/handle/10183/266567  

O atributo alt desta imagem está vazio. O nome do arquivo é qr2.png Acesse a transmissão online Mulheres na Computação no Brasil: Rompendo o teto de vidro, disponível no canal YouTube do programa de extensão Programa C, em https://www.youtube.com/live/1IDFyV6TQxg
O atributo alt desta imagem está vazio. O nome do arquivo é qr3.png

 

Acesse a página “Maria da Glória Guimarães”, do Projeto ENIGMA, em https://www.ufrgs.br/enigma/gloria-guimaraes/

 

Autoria


Alice Fonseca Finger. Professora adjunta na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), onde exerce a docência no Campus Alegrete desde 2014. É Bacharela em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Mestra e Doutora em Ciência da Computação pela mesma Universidade. Participa como equipe executora das ações de extensão do Gurias na Computação, projeto parceiro do Programa Meninas Digitais da Sociedade Brasileira de Computação. É líder do grupo de pesquisa Laboratory of Intelligent Software Engineering (LabISE). A Matemática sempre foi sua matéria preferida durante o ensino fundamental e médio. Na Computação, não foi diferente: é apaixonada pelas disciplinas matemáticas e teóricas. Currículo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/2691501072064698
Aline Vieira de Mello. Professora adjunta na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), onde exerce a docência no Campus Alegrete desde 2011. É Bacharela e Mestra em Ciência da Computação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Doutora em Ciência da Computação pela Sorbonne Université. Coordenadora do programa de extensão Programa C e do projeto de extensão Motus – Movimento Literário Digital. Participou da concepção da ação de extensão Gurias na Computação, projeto parceiro do Programa Meninas Digitais da Sociedade Brasileira de Computação, na qual atua até hoje. Coordena o projeto de pesquisa Egress@s – coleta, disponibilização e visualização de dados. Desde pequena gostava de estudar e, mesmo sem saber ligar um computador, escolheu fazer o ensino médio técnico em informática. Teve um ótimo desempenho e se apaixonou. Considera que sua trajetória é fruto de bastante dedicação e uma dose de sorte. Optou pela docência porque queria que seu trabalho fizesse diferença na vida das pessoas. É casada e mãe da Maria Fernanda, do Henrique (in memorian) e da Elisa. Currículo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/7822927936432169
Amanda Meincke Melo. Professora associada na Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA), onde exerce a docência no Campus Alegrete desde 2009. É Bacharela em Ciência da Computação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Mestra e Doutora em Ciência da Computação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É também Licenciada em Letras-Português pela UNIPAMPA. Participou da concepção da ação de extensão Gurias na Computação, projeto parceiro do Programa Meninas Digitais da Sociedade Brasileira de Computação, na qual atua até hoje. É líder do grupo de pesquisa Grupo de Estudos em Informática na Educação (GEInfoEdu), coordenadora projeto de ensino GEIHC – Grupo de Estudos em Interação Humano-Computador e do programa de extensão TRAMAS, acrônimo para Tecnologia, Responsabilidade, Autoria, Movimento, Amorosidade e Sociedade. Desde muito pequena aprendeu a gostar de Matemática e de jogos de tabuleiro. Na pré-adolescência, foi apresentada ao mundo dos jogos digitais. Currículo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/3659434826954635
Clevi Elena Rapkiewicz. Professora de Computação há mais de três décadas, em todos os níveis de ensino (educação básica, educação técnico-profissional, ensino superior e pós-graduação). Atuou em duas instituições públicas, a Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF) e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Duplamente graduada (Tecnologia em Processamento de Dados pela UFRGS e Pedagogia pela UERJ), é mestra e doutora pela COPPE/UFRJ na linha de pesquisa Informática e Sociedade. Estruturou o projeto de extensão ENIGMA – Mulheres na Computação em 2014. Fundou, em 2022, o Espaço ENIGMA visando ações voltadas para visibilidade de mulheres na área de Computação. Seus pais não concluíram sequer o primário, mas sempre valorizaram o estudo. Egressa de escola pública estadual sempre viu na Educação uma forma de transformar a sociedade. Currículo na Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/0588660330634011

 

 

Como citar este artigo

FINGER, Alice Fonseca; MELLO, Aline Vieira de; MELO, Amanda Meincke; RAPKIEWICZ, Clevi Elena. Mulheres na Computação no Brasil: histórias e memórias de Glória Guimarães. SBC Horizontes, março de 2024. ISSN 2175-9235. Disponível em: https://horizontes.sbc.org.br/index.php/2024/03/mulheres-na-computacao-no-brasil-historias-e-memorias-de-gloria-guimaraes/. Acesso em: DD mês AAAA.

Compartilhe: